sexta-feira, 27 de maio de 2011

De lírios e sonhos

Walnize Carvalho


Sobre a mesa , a toalha branca acetinada. Bem ao centro, lírios brancos em jarra transparente.
Meu olhar perpassa o cristal e fixa na noiva que esbanja alegria posando para fotografias.
À sua volta – noivo, pais dos noivos e padrinhos – são o retrato fiel da felicidade.
Fico por ali em minha contemplação e vagos pensamentos.
Me vem ,primeiro, à mente as palavras de Jesus,no Evangelho segundo São Mateus: “Olhai os lírios do campo ; eles não trabalham nem tecem; no entanto eu vos digo: mesmo Salomão,em toda sua glória, não se vestiu como um deles”.
No segundo momento, reflito sobre a simbologia do branco: Paz, serenidade, clareza ,quietude, expressão de luz e do Bem.
Fazem eco em meus ouvidos as palavras proferidas ao pé do altar: “ hei de amar-te todos os dias de minha vida”.
Menos introspectiva , debruço sobre a plenitude do momento.
Constato que cerimônia de casamento é assim: momento de contrição, de emoção e também de descontração.
Todos os presentes acompanham e participam desde - os atores principais - (os noivos) como - os coadjuvantes- (os convidados) da magia reinante.
É como se estivéssemos protagonizando um verdadeiro conto de fadas.
O casal embarcado na carruagem da paixão, adornada de sonhos e desejos, passa pelo cortejo que reverencia e aplaude efusivamente.
Seguem-se os abraços, os votos de perene felicidade, os brindes regados a champanhe, os comes e bebes...
E quem ousa quebrar o encantamento e projetar o futuro , meditar sobre a prole, visualizar dificuldades , imaginar as etapas a serem vividas e vencidas?
Pouco importa ,neste momento, conjeturar qual das expressões irá vingar: “Felizes para sempre”, “Eterno enquanto dure” ou “Até que a morte os separe” ...O momento é do coração sobrepor a razão.Planejar o que virá é puro delírio!
O Amor - o dono da festa - carrega os noivos para o meio do salão.
Eles dançam, riem, rodopiam esquecidos dos que testemunham a bem aventurança.
Como esquecido também sobre um móvel,o buquê da noiva.De lírios brancos.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

No corre corre do dia a dia...


Sobras e faltas
Walnize Carvalho

Sobra vontade
Falta entusiasmo.

Sobra ideia
Falta palavra.

Sobra projeto
Falta realização.

Sobra riso
Falta alegria.

Sobra castelo
Falta areia.

E assim...
Vai-se largando pelo caminho
O que não se conseguiu juntar...

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Esquisitice


Walnize Carvalho

Do Carmo passa por meu portão por volta das 11 horas de certa manhã. O sol abrasador se faz presente, mas a senhorinha está toda arrumada para o seu passeio, sem nem se dar conta do imenso calor. Pára e relata com a tradicional simplicidade o trajeto daquela manhã.
Convido-a para entrar. – Não, outro dia! – responde-me. E revela o seu prazer matinal: Irá ver “as modas”; rodar pelos shoppings e Bancos, onde (mesmo sem nada comprar e nenhuma transação bancária efetuar) desfrutará do ar refrigerado que estes ambientes possuem. Sentará em um dos bancos da agência dos Correios e ah! ... irá aos supermercados comparar preços.
Na sua esperteza-inocência não percebe o sorriso maroto que surge no canto dos meus lábios.
Conta sem pudor: - Adoro ter 60 anos!... Tenho passe-livre que me leva de ônibus a conhecer lugares e pessoas. E arremata transpirando felicidade: - Amanhã vou sair bem cedo de casa. Pretendo ir a São João da Barra. Pela janela da condução irei olhando a natureza e recebendo a brisa no rosto. Chegando lá, visitarei a terra natal de minha avó. À tardinha estarei de volta.
E completa, radiante:
- Soube que as copas das árvores da praça principal estão podadas. Ficaram uma beleza só!
Esquisitice ou felicidade? Qual o melhor título?!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A menina do cacho dourado



Walnize Carvalho

A menina é loura. Tem um anel de cabelo no alto da cabeça: um cacho dourado.
Mora em uma casa grande, de janelas altas. Próxima à rua. Rua movimentada.
Suas tardes ( já que nas manhãs vai à escola) são passadas na janela, olhando os que passam na calçada.
Seu pai é alfaiate.
O ateliê fica no primeiro cômodo da casa, bem na face da rua.
Encostada à janela, encontra-se uma mesa alta. De alfaiataria. É nela, que a menina sobe para espiar a rua. E só o faz, quando o pai não está cortando tecidos, para a confecção de ternos de seus fregueses.
Sobre a mesa e pela janela alta ela vê o mundo: uma enorme vitrine. Nela perfilam pessoas, carros, animais...
E sonha...Sonha correr livre pela calçada, atravessar ruas, ir à esquina comprar balas.Mas, qual? Só acompanhada dos pais ou da professora, que mora na mesma rua e costuma levá-la a escola.
A menina na janela faz projetos: usar óculos, um deles. Pensou até em pedir à mãe para ajudá-la nas tarefas domésticas descascando cebolas. Quem sabe, com olhos vermelhos e lacrimejados conseguiria tal feito? Recebeu um “Não”.
No outro dia, passou pela calçada uma moça de braço fraturado e engessado. Fechou os
olhos e sonhou...Sonhou ter subido na goiabeira da casa da avó, que mora no interior.Desequilibrou e...tbum! ganhou o chão e o “braço postiço”.Acordou e parece ter ouvido da mãe:”meninas comportadas não sobem em árvores!”...
A menina segue em seu devaneio. Ela e a janela.
Agora observa as folhas, que caem das árvores. Embarca no vôo com elas e percorre calçadas, cidades, mundos!...
As pessoas passam. Acham graça do seu sorriso,seus trejeitos,seu canto.E exclamam:
-Olha, que garota bonitinha! Que bons modos! Ela tem um cacho dourado na cabeça!
A menina sorri. Desce da janela.
O caderno de matemática a espera no seu quarto.