sábado, 29 de junho de 2013

Conflito

Conflito
                           Walnize Carvalho

Degrau da escada de madeira
                                               desgastado.
Piso da fila do banco
                                  arranhado.
Roupa do varredor de rua
                                  desbotada.
Placa do sinal de trânsito
                                         pichada.
Brinquedo do jardim da praça
                                                 destruído.
Palavra do político
                                        surrada.

Na humanidade:

Solidariedade
                      envelhecida.
Esperança
               perdida.
Sorriso

         GASTO.

terça-feira, 23 de abril de 2013

De feriados e comemorações

Walnize Carvalho
          Observadora que sou do meu entorno (e é este o papel do cronista) naquela manhã percebi um certo ar de desalento na fala do moço, que estava na minha frente,na fila da padaria.
Dizia ele para o amigo que o acompanhava: - Rapaz, que chato! O feriado de Tiradentes cai em um domingo! Ao que o outro retrucou:- Bobagem! E precisa que haja feriado ou alguma data comemorativa, para você fazer seu sagrado churrasquinho de fim de semana?
         O primeiro buscando argumento finalizou o papo:- É que se fosse numa quinta “enforcaria” a sexta e de quebra viriam o sábado e domingo...
          A atendente do caixa que a tudo ouvia, retrucou: - Na próxima terça é feriado em homenagem ao glorioso São Jorge! Mas o freguês já havia saído e não escutou.
       Chegou a minha vez de pagar o pão e segui para casa desembrulhando lembranças.
Voltei no tempo e sentei-me no banco escolar. Escutava, atentamente, as explicações da professora: “O dia 21 de abril é feriado nacional. Trata-se de uma homenagem que o Brasil presta ao sacrifício de Joaquim José da Silva Xavier, que foi enforcado e esquartejado, a 21 de abril de 1792, devido a seu envolvimento com a Inconfidência Mineira - um dos primeiros movimentos organizados pelos habitantes do território brasileiro, no sentido de conseguir a independência do país em relação a Portugal.”...
E a mestra prosseguia nos preenchendo de ensinamentos, que nos faziam sentir orgulho por nossos heróis, como também motivados a chegarmos à nossa casa e dividir a lição com os familiares, no momento, em que a família se reunia à mesa à hora das refeições.
       Aí se dava a partilha do pão e do aprendizado, pois era o motivo de se alongar a conversa.
Numa verdadeira troca de experiências, nossos pais se orgulhavam de nosso interesse em aprender e nós - filhos - aquietávamos e, atentamente, ouvíamos os que eles tinham a ensinar e também acrescentar...
- Lembrança da boa! balbuciei, ao abrir o portão de casa.
  Minutos depois, a neta que passava, de mãos dadas com o pai, em direção à banca de jornais e a padaria veio ao meu encontro.
Sorriso banguela (dois dentes de leite “caíram” na semana passada) e eu, lhe perguntei: - Você sabe quem foi Tiradentes?... E ela me respondeu cheia de certeza, do “alto” dos seus sete anos: - Sei sim, vó! Ele foi um dentista que virou herói e completou: - Mas não é herói de novela, nem de revistinha não!...
        A abracei, cheia de ternura, e finalizei: - Você tá certa!!!Agora vamos pra mesa do café... Acabei de chegar da padaria e trouxe aqueles pãezinhos de queijo saborosos de que você tanto gosta!...
Ah!... Termino a crônica com um aviso aos interessados: 1º de maio é feriado nacional e caiu numa quarta-feira. Um bom motivo para lembrar e festejar, afinal, o trabalhador merece descanso. E quanto ao significado desta data ser “Dia do Trabalho”... Bom! Fica pra outra vez a explicação!

sábado, 30 de março de 2013

Verdadeiramente Páscoa

      (para Valentina)
   
Walnize Carvalho
 
  Chegou à minha casa como um presente. Presente oportuno, já que veio em pleno período da Quaresma, dando oportunidade de refletir sobre a vida nova - a Páscoa - que se aproximava. Aparentava ser de tenra idade.
 Era frágil, silenciosa, dócil, ainda que um pouco assustada.
De pele alvinha, trazia no pescoço um laçarote lilás fazendo com que a neta, em estado de tremenda euforia, exclamasse: _Que fofa!... E Fofa passou a ser o seu nome.
  As primeiras providências foram tomadas para a hóspede: um cantinho aconchegante para se instalar, água, alimentação e até brinquedo...
Em todas as manhãs, desde a sua chegada, a menininha - como boa anfitriã - a levava para dar um passeio pelo pequeno quintal, pela varanda e próximo à jardineira, que fica na frente da casa.
Sempre com o devido cuidado de manter o portão fechado, para que a “amiga” em seus saltitos, não ganhasse a rua, pois bem sabia(o pai a alertara), que ela não conseguiria se defender, caso um gato ou cachorro dela se aproximassem.
  Percebia-se que adorava passar aquele tempo: solta, brincando e pulando .
A menina se divertia em ficar olhando suas proezas e, vez por outra, lhe oferecia colo, mas ela tratava logo de se esquivar, pois gostava de sua liberdade...
Assim, as manhãs tornaram-se prazerosas, já que propiciavam à menina, exposição diária ao sol e contato permanente com a natureza ...
Na hora da refeição era uma festa!
A garota fazia questão de ajudar no preparo do alimento: cenoura (o prato preferido), brócolis, chicória, couve, alface e como complemento, fatias de maçã ou de banana.
Também não deixava faltar ração, que contém fibras, proteínas e cálcio e mantém a dieta equilibrada. Tudo isso veio estimular à garota a se alimentar de forma mais saudável, passando a ter no seu cardápio frutas e legumes regularmente...
Impressionante como aquela presença miúda e singela veio mobilizar, não só a criança da casa, como os adultos também.
 Ela virou motivo de conversas à mesa ( há quanto tempo a família se reunia às refeições?) ; de disputa saudável (-Quem acordar primeiro vai ajeitar seu cantinho!) e outros gestos fraternos!...
Os dias passando e ela, ao que parece, veio para ficar.
 E que bom, pois por causa dela, ficaram em segundo plano as “obrigações” materiais de presentes caros e de consumo exagerado de chocolates .
Agora é hora de “sair da toca” e identificar quem chegou à minha casa como um presente: uma coelhinha.
Reitero, de forma oportuna, pois além ser um dos símbolos mais marcantes da Páscoa, trouxe consigo Alegria, Renovação de hábitos, Harmonia e Nova vida a todos da casa, que passaram a tê-la como companhia...

sábado, 9 de março de 2013

Uma rosa em segredo


Walnize Carvalho

A mulher passava pela rua quando deparou com uma manifestação popular. Bem diferente de gritos exaltados havia cantoria que se misturava com orações, palavras afetuosas e...distribuição de rosas.
Rosas vermelhas.
Timidamente, aproximou-se do grupo e se deu conta que se tratava da comemoração do “Dia internacional da Mulher”.
Ficou por ali calada e emocionada quando um dos manifestantes aproximou-se dela e lhe entregou uma rosa.
Rosa vermelha.
Ruborizada, mas feliz fez o trajeto de casa carregando o mimo nas mãos como quem carrega algo precioso e frágil.
 E era frágil.
 Era uma rosa.
 Uma rosa vermelha.
 E era preciosa, pois não se recorda dia algum em que levava em mãos oferta tão significativa. Visivelmente envaidecida, aspirava de minuto a minuto o belo presente.
Quase chegando à casa, uma dúvida misturada com angústia povoaram seu pensamento: Como abrir a porta da sala e deparar com seu marido ( que por certo estaria lendo os jornais) com a rosa vermelha vistosa e perfumada, sem que ele a olhasse com espanto e a enchesse de perguntas quebrando todo o encantamento?
Preferiu entrar pela portas dos fundos e no quartinho dos fundos acomodou “sua menina” no primeiro recipiente que encontrou.
Buscou água para regá-la e dia após dia cumpria o prazeroso ritual de ir visitá-la para inebriar-se com o seu perfume...
Até que ,numa manhã, o marido anunciou viagem de negócios.
A mulher correu a um só fôlego para o cômodo onde trazia prisioneira, a rosa.
A rosa vermelha.
Planejava colocá-la numa jarra bem bonita no centro da mesa da sala onde ela iria, afinal, exalar sua fragrância reinando absoluta sem pudor e questionamento.
O que encontrou foi sua rosa desfalecida, despetalada .
Com lágrima nos olhos recolheu as pétalas já não mais vermelhas (em tom rubi )e levemente ressecadas, mas que ainda exalava um pouco do perfume do “primeiro encontro”.
Buscou um livro na estante e nele depositou as fragmentos de ternura.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Ressaca



Walnize Carvalho

Hic! Um soluço interminável, um peso enorme na cabeça (como se pousasse sobre ela um elefante), um gosto amargo na boca – gosto de cabo de guarda-chuva, dizem alguns -, náusea, mal estar, “estômago embrulhado” e o olhar distante fixado em lugar algum.
  Sabem de quem estou falando? Da famosa ressaca que nesta quarta- feira a muitos abate. Estranhamente reconheço que tenho quase todos os sintomas citados, embora não ingira bebida alcoólica nem tão pouco tenha participado da festa.
Sou tomada de uma leve prostração, de desalento, de incômodo, e também com o olhar distante fixado em lugar algum ,constato que também estou de ressaca, mas de uma ressaca atípica.
 Sinto no ar o esgotamento de valores duradouros e autênticos, uma falsa euforia, uma vontade de que a fantasia não desbote e a que máscara fixe no rosto e não descole tão cedo.
Há o cansaço do “ser eu mesmo” e o desejo de que o personagem construído assuma o papel principal.
Neste estado letárgico não há receitas caseiras do tipo: muita água de coco, sal de frutas, banho de mar e até os conselhos de “tomar mais uma”, um engov antes... outro depois, que irão modificar o quadro. E nem tão pouco vá se desfazer com vãs filosofias.
No mais, é esperar que ela se dilua por si mesma.
 E que ao fim de alguns dias se possa abrir o armário, pendurar a fantasia e buscar vestimentas adornadas de bom senso, otimismo, sobriedade e esperança.
Assim vestida, finalmente, dar início à caminhada do ano novo que nos espera.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Marolas


Walnize Carvalho

É manhãzinha.
À beira mar observo as marolas. O ir e vir das ondinhas parece um balé sincronizado da Natureza. Uma sensação nostálgica e ao mesmo tempo prazerosa me invade.
  Constato que uma coisa é viajar no imaginário, entrar no túnel do tempo e resgatar lembranças; outra é voltar ao velho cenário e sentir na pele, olhos e coração o passado-presente.
É que retorno em mais um verão à casa da infância e adolescência.
 A presença das netas(Giulia,Clara e Valentina) me fazem rever “tudo de novo” com ares saudosistas. Bom estar com elas, que curtem férias no lugar onde, em tempos idos, também desfrutei do descanso escolar. Que, aliás, de descanso não tinha e nem tem nada, uma vez que haja fôlego para aguentar e muita energia para gastar.
 Agora, na plateia, estou na primeira fila assistindo e aplaudindo as meninas. Gestos largos e alegria incontida... É o teatro da Vida.
  Surgem novas amizades.
  Não faltam disputas no espelho, troca de roupa a toda hora, cochichos e gargalhadas confrontando-se a cada minuto.
Como também idas e vindas ao vôlei, à sorveteria e à casa de amigas.
  E tome festa improvisada, mesada acabada e a grana que você dá sempre um jeitinho de arrumar para compra de algo novo que aparece, pois elas vêm em seu socorro, sem querer importunar os pais. Sem contar com as perguntas que interrompem a sua leitura na rede: - Vó! Fiquei bem com este vestido? A sandália está combinando?
E as reclamações que atrapalham a sua sesta: - Meu cabelo está uma droga! Meu biquíni ainda não secou!
A gente tenta esboçar sentimento: “Vamos conversar um pouco?” ou cercar-se de argumento: “Tome um leite ou um suco!”.
Mas, elas saem em disparada, pois não têm tempo a perder.
  Retornam da caminhada no Calçadão e comunicam: - Já comemos uns sandubas no quiosque com as amigas (estas cujos pais brincavam outrora com meus filhos).
Trocam as roupas molhadas e decretam: - Vamos assistir DVD na casa de uma colega.
  Só me resta ficar ali, mergulhada em meus pensamentos, buscando no tempo, meu tempo, sem tempo de voltar...
 Logo brotam um sorriso no canto de minha boca e uma lágrima furtiva em meus olhos.
Ao longe, o barulho do mar me atrai.
Atendo ao chamamento e vou ao seu encontro.
  Na areia, pés descalços posto-me em frente ao majestoso gigante e bendigo a dádiva de ainda estar por aqui para saudá-lo mais uma vez!

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Ano Novo


É Tempo...Já não é sem tempo

Walnize Carvalho

É tempo...
De comemoração.
De despedir-se
de mais um ano que se foi
 e renovar pedidos.

Já não é sem tempo...
  De reflexão.
De dar boas-vindas ao ano
 que chega e agradecer conquistas.

É tempo...
De encontrar amigos
e festejar este momento sublime.

Já não é sem tempo...
De ir ao encontro de si mesmo
e celebrar a cada instante o dom da vida.

É tempo...
De ofertar presente
como prova de amizade.

Já não é sem tempo...
De ser presente na vida do próximo
exercitando a qualquer tempo a solidariedade.

É tempo...
De arrumar e faxinar gavetas.

Já não é sem tempo...
De abrir a mente
e dar uma limpeza geral
 nos seus conceitos e preconceitos.

  É tempo...
  De rasgar papéis entulhados e desnecessários.

Já não é sem tempo...
De arrancar folhas de rancor, intolerância e desamor
do seu caderno de anotações.

É tempo...
De adquirir uma agenda nova
  e ficar ansioso por anotar compromissos.

Já não é sem tempo...
De olhar as páginas em branco da nova agenda
e refletir sobre o mistério dos dias que virão.

É tempo... De abrir janelas para ver o tempo lá fora
e torcer para que a estação traga dias ensolarados.

Já não é sem tempo...
  De escancarar as portas dos sentimentos
e olhar seu “tempo interno”
agradecendo a chuva (seus momentos de introspecção)
ou o sol (seus momentos de alegria).

  É tempo... De recomeço
e já não é sem tempo
de reconhecer
que todo recomeço traz em sua bagagem
um perene exercício de aprendizagem

É tempo... Já não é sem tempo.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Alma de Natal

Walnize Carvalho
 
     O sol acordara cedo e cheio de disposição, já mostrava o seu brilho.
  Saí de casa, em direção ao centro da cidade, a fim de assumir compromissos diários: idas a Banco, farmácia, Casa lotérica e... outros afazeres.
Mesmo que, munida de protetor solar, tentava me esquivar dos raios ultravioletas do sol, à procura de sombra.
  Caminhava ora beirando muros e sacadas ora sob árvores espaçadas ao longo do trajeto.
Pela movimentação mais intensa no comércio e observando a profusão de cores e brilhos, me dei conta de que já estávamos em pleno mês de dezembro, daí o motivo da cidade já se encontrar enfeitada para o Natal.
De repente, avistei na entrada de um estabelecimento comercial um Papai Noel solitário. Ele e a sua tradicional vestimenta vermelha, suas botas pretas, sua imensa barba branca, o saco de brinquedos nas costas, um sino dourado em uma das mãos (cobertas de luvas brancas) e a sua conhecida saudação:”:Ho! Ho! Ho!...
       Confesso que me assustei ao vê-lo postado na porta de uma loja naquela manhã.
Mas... por que do espanto se ele é uma figura afável, carismática, tem ares de bonachão e carrega sempre um sorriso doce nos lábios? Na verdade, não contava que ele já estivesse de volta. Aguardava revê-lo mais para o fim do mês, como antigamente. Doce nostalgia...
Dei de ombros e, pensei ironicamente: por certo, deve ter trocado seu tradicional meio de transporte (trenó) e prevendo caos nos aeroportos ou engarrafamentos nas estradas, optou por precaver-se; contratar um jatinho particular e assim, antecipar sua visita anual. Tempos modernos!...
Segui pensando as repetidas palavras que trocamos com as pessoas que encontramos no dia-a-dia, especialmente a cada fim de ano: - Nossa!... Como o tempo passa depressa! - O ano já está indo embora... De repente, já é Natal! - Ainda não comprei os presentes! - Não sei o que presentear meu amigo oculto!
Mergulhada em divagações atravessei a rua, quando fui despertada pela buzina de um carro que alertava sobre o sinal luminoso.
Refeita do susto, visualizei fatos que vivenciamos cotidianamente e, que apesar de já se tornarem corriqueiros, sempre nos causam surpresa e nos surpreendem.
Absorvida em meus pensamentos, entro em uma farmácia e bem na entrada, diante dos meus olhos, deparo com caixas de sabonetes empilhadas. Exalavam perfume e saudade.
Ao ver escrito na embalagem: “Alma de flores” me lembrei de natais distantes e do carinho e espontaneidade de querida tia (Vivi), que por essas ocasiões, me aguardava em sua casa, com a referida caixa de presente e a recomendação: - É só uma lembrancinha! E concluía : Para você não se esquecer de mim!
É, saudosa tia!... Não a esqueci, como também do pinheirinho no canto da sala coberto de algodão, simbolizando neve; dos cartões natalinos escritos a mão entre outras doces lembranças...
Sequei a lágrima furtiva e segui meu caminho.
Naquela manhã, a verdadeira alma de Natal invadiu o meu ser...

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Quadro

Walnize Carvalho

Entro sem pressa e sem fome no restaurante.
 Comida à peso, mas requintada.
Música ambiente, garçons solícitos, ar refrigerado.
Sem peso na consciência, arrumo o prato de forma harmoniosa e colorida.
A louça branca mais parece uma palheta de pintor.
A cada canto, iguarias em tons vivos e variados.
Fico a olhar a refeição com receio até de tocá-la dada a beleza.
À primeira garfada sinto-me uma pintora, pois ao levantar o talher trago no gesto um toque de leveza ,sugestionada talvez, pela melodia suave que ajuda no desenho imaginário.
Olho para frente.
Na posição em que estou sentada visualizo a rua através do enorme vidro transparente do salão
Vi diante dos meus olhos a movimentação de transeuntes, carros e motos; pessoas na loja em frente, outras conversando na calçada...
E passo a pintar um quadro móvel.
 Levanto-me
.Pago a refeição.
Vou me integrar ao cenário do dia a dia.
  Ao sair, avisto na sarjeta um garoto à espera de um trocado: A rubrica de um quadro real das cidades.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Dia a dia

Walnize Carvalho

“Todo dia ela faz tudo sempre igual... ...sorriso pontual ... ... boca de hortelã ... “
Na FM, em baixo volume , Chico Buarque derramava estes versos. A mulher pegou - os emprestado para si, com um sorriso irônico nos lábios.
E, de forma frenética, começou a tirar a louça do café, arrumar a mesa com a jarra florida , e mais ... e mais ...
“Tudo sempre igual!...” resmungou irritada.
  Um pensamento relâmpago surgiu. Pensou em atos rotineiros.
Veio - lhe à mente o balconista da lanchonete de um shopping. Todos os dias – anos a fio – ele prepara pizzas rápidas e toca um sino a cada saída do forno , chamando a atenção dos frequentadores daquele lugar . Como ele, tantos personagens desfilam frente aos seus olhos diariamente, em suas caminhadas matinais.
Caminhada matinal... Também sua rotina.
Parou com os afazeres domésticos. Foi a janela. Debruçou-se no parapeito, distraída.
Avistou a idosa que apanhava sol na praça com a dama de companhia.
Pensou em tanta sequência de atos: a do presidiário; a do enfermo na cama de um hospital ; a do trabalhador ao sol ... “ todo dia “ !
Um prazer pela sua existência a fez trocar rápido a roupa e sair à rua.
Os versos musicais voltaram à lembrança:”Todo dia ela faz tudo sempre igual”.
-Tudo sempre igual? Balbuciou, aliviada.
Com gosto de liberdade aceitou mais um convite da manhã ensolarada.
Começou a caminhada.
E, como na melodia...beijou a vida “com a boca da paixão”.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A Natureza e a mulher


Foto:walnize Carvalho

A Natureza e a mulher
                                                                  Walnize Carvalho
            Manhã de segunda-feira.
           O dia mesmo de sol e frio dá sinais de que quem não quer sair de cartaz é o inverno.
            Desço do apartamento e saio à rua. Passo, como de costume, pela Aquidaban, onde morei tantos anos e agora a casa é moradia dos filhos.
            Na rua deserta enxergo ao longe o solitário ipê e exclamo: - Nossa, o “ipê de Conceição” floriu de novo! Este ano já é a terceira vez! - Mas, desta feita, já estamos batendo à porta a primavera - balbucio.
            A árvore fica em frente à casa de minha amiga Conceição, de quem fui vizinha durante um bom tempo. Sempre que temos a oportunidade de nos encontrar, saudamos com afetuoso “bom-dia” e trocamos amabilidades, quase sempre em torno da Natureza.
            Apesar da temperatura, fico ali por alguns minutos a observar o esplendor do pé florido, que reina absoluto.
            A copa da árvore de douradas flores ilumina a manhã, ainda que nublada.
            Mesmo tendo o seu lenho bem resistente, o ipê se vê acariciado pelo sopro do vento e se deixa despojar cobrindo toda a calçada com um belo tapete amarelo.
           Paro um pouco em contemplação e fico a meditar: Não foi puro, creio eu, que Deus ao criar a Natureza, batizou-a com nome feminino: NATUREZA.
            Bela, quase sempre. Silenciosa, às vezes. Generosa, outras tantas. Caprichosa, quando quer. Exibicionista. Determinada. Habilidosa. Espontânea. Contraditória. Versátil. Dócil. Rebelde. Voluptuosa.
            Foi assim que lembrei, ao passar em outra tarde chuvosa de inverno, pela BeiraValão  e vi destacando-se entre os ipês floridos, uma imensa árvore coberta de dourados brilhos.
            Como uma bela e desejada mulher, ali se fazia presente, contrariando seu tempo de florescer (primavera). Com pujança dava um show de exibicionismo com tempo marcado para “retirar-se de cena” e usar trajes comuns - a Natureza/mulher e sua suntuosidade...
            E continuei divagando: quantas espécies habitam o Universo (rios, mares, florestas, pássaros, animais, rochedos, cachoeiras etc ...) seguindo a ordem natural estabelecida,  muitas vezes apresentam espetáculos diários sem o olhar do Homem? - a Natureza/mulher e sua espontaneidade...
            Sigo a caminhada. Mais adiante me dou conta de que também há catástrofes, secas, enchentes,  devastações de rios e mares  - a Natureza/mulher e sua intempestividade.
            O pensamento gira. E quando nas redes dos pescadores vêm saltitando sortimento de peixes e crustáceos? - a Natureza/mulher e sua generosidade.
           Sou levada a pensar nas mudanças climáticas quando, de repente, um dia de inverno se faz verão e vice versa - a Natureza /mulher e sua extemporaneidade.
            Paro o trajeto. A chuva cessa. O sol aparece por entre as nuvens. No céu desenha-se um portentoso arco-íris. - a Natureza/mulher e sua versatilidade.   
           Retorno dos compromissos agendados para aquela manhã, usando o mesmo trajeto de ida. Percebo que o solitário ipê está quase desnudado, apenas restando em seus galhos uma única flor.
            O espetáculo natural se encerra sem plateia até a próxima florada, dando provas de que a primavera também fez o seu registro antecipado.
            Corro os olhos ao redor.
           Avisto o sol por entre as folhagens da palmeira, que adorna a calçada de outro vizinho. Apesar de sua timidez o astro rei também quer entrar em cena.
            Chego introspectiva à minha residência. E a ideia inicial me domina: de todas as nuances dadas pelo o Criador, a Beleza sempre está presente.  A mulher. A Natureza e a perplexidade.
             

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Constatação


Walnize Carvalho

Se busco ser feliz,
definitivamente
é
impossível:
acumular
a dor
cultuar
o medo
desenterrar
a mágoa
resgatar
a saudade.

Se busco ser feliz,
definitivamente
é
impraticável:
adiar
projetos
postergar
desejos
retardar
alegrias
protelar
sonhos.

Se busco ser feliz,
definitivamente
é
imprescindível:
arquivar
O PASSADO
esperar
O FUTURO
E no espaço-tempo
vivenciar
O PRESENTE.



sexta-feira, 24 de agosto de 2012

No "Quarto" Do Carmo se sentiu em casa...

...e voltou!

Mais uma de "Do Carmo: a polly...valente"

Walnize Carvalho

Andava a passos largos naquela manhã de segunda, rumo ao centro da cidade, quando senti que em meus calcanhares alguém me alcançara.
Era Do Carmo, que esbaforida foi logo perguntando:- Está indo (como eu) enfrentar alguma fila? Respondi com Hã! Hã!...E ela : É fila de banco, de casa lotérica...que nem as de prioridade tão dando conta!...
Balancei afirmativamente a cabeça e chegamos a esquina a fim de atravessar a rua.De um dos carros o motorista(já freando) acenou para nossa travessia.
Seguimos.
Na calçada, dois senhores conversavam e à nossa passagem silenciaram e abriram gentilmente a passagem.
Entrei na farmácia e Do Carmo ...também! No caixa ,um rapaz cedeu lugar par ela (que sem cestinha,trazia nos braços várias mercadorias) o que ela correspondeu com um sorriso largo.
Saímos -digo saímos - pois ela achou por bem de me fazer companhia.E a cada passo dado, a cada lugar adentrado, Do Carmo se sentia prestigiada, tamanho afeto e atenção a ela dirigidos.
E, subitamente, me disse em tom de euforia: - Acho que depois de aparecer no blog " Quarto de Segredos" virei Celebridade...
Eu, pontual, mas sem querer magoá-la, respondi: -Menos, Do Carmo, menos...Não é que você tenha tornado Celebridade! É tudo culpa da Terceira Idade!!!

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Do Carmo passeia no "Quarto"

Apresento aqui no blog um personagem que criei:"Do Carmo a polly...valente".Geralmente ela nos faz rir de suas atrapalhadas; em outras de sua ingenuidade e até em meio ao riso nos escorre alguma lágrima.É que a Do Carmo é um pouco da vizinha, da tia, da desconhecida e de mim mesma:Retrato de um personagem do cotidiano.

Do Carmo: uma vida a ser contada
walnize carvalho

Quando ela se anunciava (fim de semana ,geralmente, era quando a “danada” a pegava de jeito) sai de baixo ... Do Carmo ficava impossível e com um estranho desejo.
Era a vontade de sentir Tristeza. E tinha que ter tristeza para justificar a tristeza.
Arranjava um grande motivo para deixá-la chegar ... e ficar.
E assim, lenço na cabeça, avental, pano de chão, balde e vassoura se dava a faxinar a casa. Para ela uma sensação ambígua de humilhação e glória. Suor pela face, joelhos no chão, limpava canto por canto. Verdadeiro auto flagelo.
Olhava as unhas pintadas na sexta-feira já totalmente destruídas. A escova progressiva já dava sinais de ter que ser refeita (gastara um bom dinheiro).
Respiração ofegante, coração exultante.
Como estava só em casa aproveitava para ouvir os velhos sucessos musicais do tipo “Ninguém me ama; ninguém me quer”. Cantarolava ... E bem lá no fundo de seu ouvido o refrão da “Escrava Isaura” fazia ressonância: “lerê, lerê, lerêlerêlerêlerêêê”...
Afinal, movida de tamanha felicidade de ter conseguido o seu intento – sentir Tristeza - jogava-se na poltrona (após banho tomado), fechava as cortinas da sala e começava a chorar, gargalhar, soluçar.
Vencida pelo cansaço, dormia abraçada à “visita” como um anjo sem culpa.

sexta-feira, 13 de julho de 2012



Marcas
                                      Walnize Carvalho

Desligou a tevê.
Dirigiu-se ao quarto. Precisava achar o sono, pois tinha compromisso marcado, bem cedo, para o dia seguinte.
Tirava a maquiagem olhando-se no espelho. As marcas do tempo estavam lá, em sua face.
Desfez-se dos trajes e acessórios para usar roupas de dormir.
Correu os olhos pelo corpo: as marcas do maiô, do relógio, da aliança, da vacina tomada em criança, das cirurgias feitas, da correntinha de ouro.Elas estavam lá, bem visíveis.
Sentiu-se como se tivesse sido tatuada pelo o tempo.
Cerrou os olhos. Mergulhou no seu íntimo. E viu lá no fundo do seu coração as marcas patenteadas, mas invisíveis.
Fez o sinal da cruz. Tentou dormir, pois a hora marcada para o compromisso do dia seguinte era cedo: sete da manhã.

sexta-feira, 22 de junho de 2012


Explosões silenciosas
                           Walnize Carvalho 

Céu estrelado em noite de luar

Arco-íris em fim de tarde

Flores em beira de estrada asfaltada

Marolas em rio vistas da ponte

Pássaros em fios elétricos de postes.

Lágrima em olhar de mãe saudosa

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Chuva


 Chuva Walnize Carvalho 
 Tédio Dia chuvoso.
 A chuva empoça a minha alma
. Vontade de chorar
 De colocar A chuva pra fora!... 
 Mas, qual! 
 Olho a chuva da janela. 
 Descubro crianças Banhadas de alegria.
 Também eu, 
 Quando criança 
 Quis me molhar, 
 Brincar na chuva, 
 Buscar alegria.
 Alegria...
 Que esta chuva 
 Tão fria e cinza
 Não me traz. 
 Só Tédio.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Baque

                         
                                              Baque
                                                                                           Walnize Carvalho
                                                                                                       
                                                                                            
            Voltou baqueada para casa.
            Rua vazia.Casa vazia.
            O coração batia descompassado.
            A boca subitamente seca.
            O semblante fechado.           
Abriu o portão.
Compulsivamente começou a faxina: varreu a casa, espanou os móveis...
Mudou os lençóis da cama.Desfez a mesa do café.
Retirou as teias de aranha.
Trabalhada    decidida  e ao mesmo tempo arrastada.
Faxinava como se quisesse arrancar de os maus pensamentos.
Faxinava como se desejasse limpar ar idéias.
           Tarefa cumprida. Casa limpa.
            Quisera, mas não conseguira faxinar a alma.
            Cansada, arriou os ombros.
            Estancou os gestos.
            Jogou-se sobre as almofadas do quarto.
            Fechou as persianas.
            Mergulhada na penumbra , cerrou os olhos.
            Suor e lágrimas  - seu corpo todo chorava.
           

domingo, 13 de maio de 2012

Mãe com adoçante


 Volto de viagem. Dentro do ônibus folheio uma revista.
            Deparo com a reportagem :“Mãe com açúcar” em que reúne “um charmoso time de vovós (celebridades) que no próximo domingo irá comemorar em dose dupla o Dia das Mães.”
            Na matéria as referidas mulheres falam com orgulho, vaidade e carinho das crianças-netas – suas gracinhas e travessuras. E, principalmente, das suas formas de agir com elas.
            Cerro  os olhos e me dou  a meditar.
            Algumas frases ficam no meu subconsciente para reflexão e comparação, já que também como elas detenho  o honroso título de avó.
            “Neto é filho com açúcar”; “Redescobri o sentimento de ser novamente mãe”; “Não tenho que educar,  só mimar”; “É a prova de que estou envelhecendo...”, enumeram elas.
            Reflito: semelhanças e controvérsias de sentimentos.
            De minha parte, adoro estar com as netas. Sair com elas, brincar de “teatro”, contar histórias, ouvir confidências das já adolescentes e, principalmente ,desmistificar a tese de que avó “estraga”os netos. Um exemplo desta minha  afirmativa é que  em tempo algum ofereço-lhes alimentos (refrigerantes e doces, principalmente) sem o consentimento dos pais.
Outra característica minha: gosto de  presenteá-las com mimos fora de “datas comemorativas”. Tanto para mim como para as meninas, o elemento surpresa é a chave da alegria e da descontração, o que acentua entre nós uma ponte  invisível de  ternura.
Sem querer ser exemplo ,apenas me permitir ser confessional,  é a minha dica  de um  convívio salutar e literalmente “light”.Bom demais...e não engorda

sábado, 5 de maio de 2012

Cristais

                                                   CRISTAIS
                                                              Walnize Carvalho

Fim de um casamento ,

prestes a Bodas de Cristal.

Partilha de bens

Divisão de pessoas.

Filhos e mulher de um lado

Marido do outro.

 Casas

 móveis
 
 jóias

e a loja de louças finas :pratarias, porcelanas

e cristais.

                                               Na vitrine,
.                                               
                                                preços de liquidação.
                                               
                                                Relação liquidada
                                                
                                                Cristal quebrado.


sexta-feira, 20 de abril de 2012

Assim, assim, distraída...

                                                                       Walnize Carvalho

            Assim, assim, distraída... você se vê - olhos abertos -, olhar fixo no teto do quarto ouvindo o burburinho que vem dos caminhantes notívagos  e imagina,  pela alegria resvalada, que retornam de alguma festa.
            Assim, assim, distraída...você caminha até a janela da sala  e  “rouba “ um pouco da alegria do grupo e não maldiz a insônia que lhe fazia companhia.
            Assim, assim, distraída...você  observa que  há outros passantes noturnos: trabalhadores que vão e vem e imagina, pelo ar de cansaço dos que vão, de que o plantão foi “puxado” e pelo jeito  dos que vem, a disposição costumeira e a promessa de um bom dia de trabalho (afinal, há tantos por aí  - desempregados - querendo estar no seu lugar!)
            Assim, assim, distraída...você  percebe que a madrugada já vai dando lugar ao dia que amanhece, e imagina a  nobre e silenciosa “troca de turnos”: lições da Mãe Natureza.
            Assim, assim, distraída...você  ouve  pássaros madrugadores e sua cantoria  e imagina a paz que deve estar sentindo também alguém (que como você) tem o privilégio de usufruir destes acordes.
            Assim, assim, distraída...você se dá conta  que o sol acaba de entrar em cena:  esplendoroso e, maroto, se  espreguiçando por entre as folhagens das árvores avistadas na rua já quase deserta.E, imagina a lição de grandiosidade do que é ser luz e esperança aos que se postam para saudá-lo.
            Assim, assim, distraída...você  sente a brisa matinal lamber-lhe a face, cerra os olhos e imagina ser o afago de quem lhe quer bem.
            Assim, assim, distraída...você  deixa  a imaginação fluir: você cria asas, viaja no tempo e, em segundos, chega à infância, sobe em árvores, colhe frutas... Em seguida, corre livre por campos floridos, recolhendo flores orvalhadas caídas no chão e segue até sua casa a fim de colocá-las na jarra  para enfeitar e perfumar o ambiente.
            Assim, assim, distraída... você imagina, cria, sonha, fantasia, alimenta, planeja, devaneia, inventa, produz, desenvolve, cultiva, idealiza, alça vôos e anda nas nuvens.
            E assim, assim, distraída...você chega a se sentir impregnada pelo aroma reinante, “naquela” jarra de flores, que está sobre a mesa  e inspirada  escreve palavras doces, suaves,  imbuídas de otimismo, que – distraidamente - se tornam a crônica desta manhã de outono.

                                                          

sábado, 14 de abril de 2012

A gente se habitua

                                      A gente se habitua
                                                      Walnize Carvalho
                    
                    E porque há de se viver e agradecer todos os dias o dom da Vida é que me peguei em divagações no último final de semana (feriado prolongado).
                   Tempos atrás não usaria o termo: feriado prolongado  e, sim, Semana Santa pela tradição em que fui criada, tanto quanto outros de minha geração.
Semana Santa... Ainda que a tradição tenha se diluído na roda viva dos novos tempos creio ser oportuno lembrar a proposta de renovação diária, pela qual nos clama a verdadeira Páscoa. Escrevi certa feita os versos, que diziam assim: ‘Páscoa – boa nova’
Como ontem/Para uns/A boa nova é/Rezar.../Refletir.../Recordar.../Ver o Cristo morto/depois ressuscitado/Ter  a  boa Fé do passado./Cobrir/de pano roxo o santo/Sentir/ respeito por todo canto.Cedinho,ir à casa da madrinha/com o melhor sorriso que tinha.Falava-se em ovo/em coelho,/ fertilidade/Em tudo, um só resumo:a Páscoa/ quanta felicidade!/Hoje/para outros/um frenético consumo./Ovo feito de cristais/Ovo de oitocentos reais./Ovo de cerâmica/Ovo de couro/Ovo com fios de ouro/Ovo recheado de joias/Ovo com lingerie/- um enorme frenesi. E o Cristo ressuscitado/Vai ficando de lado/O que se vê é a euforia/O grito da maioria:- Viva! Mais um feriado!...
            É... Quase tudo mudou e a gente acaba se habituando as mudanças.
             A gente se habitua  e porque - repito – há de se viver e agradecer o dom da vida. E nessa vivência somada à experiência, a gente se habitua com a ausência da  família reunida; do abraço apertado,do aperto de mão...
           A gente se habitua com a falta de gentilezas, de afagos e sorrisos...
           A gente se habitua a esperar horas por um telefonema ou - quem sabe- uma mensagem:- Como passou seu dia?... 
           A gente se habitua a dar “um bom dia” para as pessoas em seu caminho sem receber, muitas vezes, a saudação de volta...
          A gente se habitua a não ser notado nas filas, nos meios de transportes, nas calçadas...
           A gente se habitua ao tempo de espera; à falta de tempo, de buscar no tempo o tempo sem tempo de voltar...
          A gente se habitua a assistir e conviver com :  corrupção, destruição, poluição, mar de lamas sem nem  mesmo olhar o mar,  espiar o luar ou  buscar alguém para falar...
         A gente se habitua a mensagens virtuais, a redes sociais, esquecendo o perfume das cartas, a melodia das vozes, o calor dos abraços...
         E depois de tanto costume adquirido - talvez- para não se perder, para não se ferir, para não se machucar, a gente se habitua a poupar a vida que - paulatinamente -   se desgasta, e se esvai em silêncios.