sexta-feira, 29 de julho de 2011

A menina e os passarinhos


Walnize Carvalho


(para a neta Clara.Escrito quando ela era menininha,hoje já está com 15 anos!)

A menina saiu do ninho( o colo da avó) e correu para a varanda da casa- casa da infância do pai.
Olhou com olhos curiosos para a rua e avistou na outra calçada, no fio elétrico dos postes , pássaros enfileirados.Curiosa, perguntou: - Vó! Onde moram os passarinhos?O que eles comem?
Dadas as devidas explicações e... brincadeira inventada.
A avó correu à mesa desfeita do café da manhã e recolheu farelos de pão.Juntas, colocaram no parapeito da janela.
Depois,escondidas,passaram a vigiar os passarinhos se alimentando...
A lembrança da neta,que viera lhe visitar(mora em Macaé) ficou registrada.E, toda manhã,como a obedecer a um ritual,a avó coloca o alimento.
Pela janela da sala vê os passarinhos virem se alimentar felizes.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

A flor e a mulher



Walnize Carvalho

Passeia pelo jardim da praça.
Como um garimpeiro
Olha
Cantos
Recantos
Frestas de árvores
Teias de aranha
Ninhos e flores.

Vê uma rosa no chão:
Rosa-mulher.
Alguém a arrancou da roseira
A aspirou
E a jogou no chão.

Suas pétalas estão ressecadas
Pele de mulher clara.

Senta-se no banco da praça
Despetala carinhosamente a flor
Retocando os seus traços.

A cada pétala tirada
Descobre dentro da rosa
Uma luz
Uma beleza interior.
Um botãozinho bem vivo
Bem brilhante
Olhos azuis em um rosto enrugado.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Devaneio



Walnize Carvalho

Imaginem se pudéssemos chegar ao balcão de uma loja pedindo: - Embrulhe em papel de presente (o mais vistoso) uma caixa recheada de Paz. Ou se ligássemos para um hortifruti solicitando: - Separe duas dúzias (bem fresquinhas) de Harmonia e traga no endereço tal. Ou se fizéssemos (via Internet) uma encomenda urgente de três pacotes de Felicidade?!? No mínimo, significaria devaneio ou surto de loucura! Mas se somos todos “loucos” por esta trilogia ( paz, harmonia e felicidade ) seria uma conquista e tanto. Seria?
Convenhamos, que se nos fartássemos de tais iguarias em tamanha proporção estaríamos fadados à indigestão, tamanho peso no estômago e que antiácido algum daria jeito.
A escolha sensata é a de sempre saborearmos desses doces sentimentos enumerados, em porções balanceadas e, se possível, mescladas com amargos sabores (Dor, Tristeza e Saudade) o que torna a refeição – digamos assim – agridoce.
Se pensarmos bem, concluiremos que a vida nos oferece um banquete de cardápio variado. Só nos resta optar pelo “prato” a ser digerido.
À cada dia, desde o café da manhã pesamos na balança do bom senso nossas decisões. Devemos observar com cautela, qual o caminho a seguir: ou renunciamos a um projeto tão sonhado ou persistimos nele até que se concretize.
Muitas vezes, por açodamento, procuramos o caminho mais curto, mas que nem sempre nos leva a lugar algum.
De outra feita, somos tomados por forte indecisão. É como que chegássemos a um self service; parássemos diante de variada gastronomia e nos indagamos: feijoada ou massa?...
No “bate e rebate” do cotidiano estamos para perder ou ganhar; lutar ou resignar; nos reprimir ou nos libertar.Não é esta a receita de um bem viver?
Há dias em que o choro nos lava a alma. Em contrapartida, há momentos em que o nosso riso em excesso revela uma falsa euforia.
Repetimos à exaustão: “Todos temos o direito de ir e vir”. Mas sabemos sempre quando ir ou quando vir?...
Será que avaliamos com precisão quando é a Razão ou o Coração que deve falar mais alto? ...
São estas indagações que dão tempero a nossa vida. Concordam?
Retomo ao devaneio do início da crônica: ter por inteiro a Paz, a Harmonia e a Felicidade.Pura ilusão! Elas nos são servidas em fatias!...
O interessante é nestes momentos cada um de nós: apaziguar o coração, harmonizar o espírito e se felicitar com os consagrados versos : “Felicidade...Esta árvore milagrosa que supomos/ arriada de dourados pomos/ existe sim,/ mas nós não a alcançamos/ porque está sempre onde a pomos/ e nunca pomos onde nós estamos”.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A menina no cinema


Walnize Carvalho

Foi só ela entrar no cinema para que se transformasse.
As cadeiras acolchoadas e aconchegantes (verdadeiro colo) e mais a trilha sonora a transportaram. Abrindo o saco de pipocas – pensou – sem disfarçar o sorriso: - Estou deixando lá fora a pessoa adulta que sou e me encontrando com a “minha” menina.
. Bem posicionada deixou que os olhos se fixassem na tela. Nem pestanejava. Colocava pipocas na boca com avidez e displicência deixando algumas caírem sobre seu colo.
Aos poucos, embalada pela magia da história, foi se distanciando de si mesma.
Era tempo de férias.Férias de julho. Havia crianças e jovens barulhentos à sua volta. Ela não os escutava. Também estava de férias: férias “daquela” que deixou lá fora.
Alguém pediu (pela terceira vez, talvez) licença para passar e sentar-se na mesma fileira.
- Hã!?..., pois não, pode passar! – respondeu de forma automática.
E por minutos se dispersou da cena e pensou “naquela” que ficou do outro lado da sala de projeção.
Suspirou. – Coitada, tão cheia de compromissos, tão cheia de contas a pagar, tão cheia de problemas para solucionar, tão submersa em ocupações e horários, tão... tão.... robotizada!
Em certas ocasiões tão cruel se olhando no espelho e questionando: - Já viu suas rugas na testa? – Reparou nos seus cabelos embranquiçados? – Poxa! Você engordou, heim!? E a mais terrível das provocações: - Não vê que você não é mais uma menina!...
Mexeu-se na poltrona e balbuciou: - Não! Aqui neste momento “ela” não irá me abater.
Tentou ver o filme. Mas de novo cenas legendadas passaram diante do seus olhos: “a outra” até tem certa razão, afinal, ser responsável, cumpridora de suas obrigações não é papel fácil de se representar.
Novamente o pensamento contraditório: mas tanta disciplina todo tempo? Todo dia? Toda vida? Definitivamente, não! – deixou escapar em voz semi-alta.
Afinal, ela precisa fugir um pouco dos compromissos; dar asas à imaginação; ser feliz sem hora marcada e, acima de tudo, eliminar a culpa. Assim, de repente, no meio da tarde estar no cinema desfrutando o direito de ser criança.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Eu não sei pra que que a gente cresce


Walnize Carvalho

Amanheci com estes versos de Ataulfo Alves batucando na cabeça.
E fiquei horas cantarolando porque gosto de “Meus tempos de criança” e também para contrapor ao som do bate-estaca que vinha de uma obra em frente à rua onde moro.
E de tanto repetir me dei conta de que o lamento de crescer é de perder a ingenuidade. E dia após dia, ela – a ingenuidade – nos é tirada.
Num giro de memória chego ao mês de julho de infâncias distantes. Era sinônimo de férias, descompromisso e encerramento de um ciclo. Hoje o tempo é um menino travesso que corre atrás de nós a nos alcançar os calcanhares sem, ao menos, nos dar a chance de pedir “mandrake”.
Quem diria que transformariam os heróis em quadrinhos Mônica e Cebolinha em adolescentes e matariam o Batman?
Somos a todo momento lembrados de nossas obrigações. As siglas IPTU, IPVA, IR, PIB, NET estouram aos nossos olhos brilhando mais do que os POW... POW dos fogos de artifício de festas juninas
Sinceramente, como esquecer a antiga delicadeza dos encontros fraternos, da troca espontânea de presentes tão contrastantes à atual comercialização de afetos, dissimulação de simpatias e a ânsia das pessoas que se obrigam a ser felizes a qualquer preço?...
Neste ping-pong entre passado e presente, por certo, vários paralelos seriam lembrados que, fatalmente, não caberiam neste espaço.
Prefiro estancar as lembranças ao mesmo tempo em que sou absorvida pelo silêncio da rua.
Olho pela janela e vejo que as máquinas silenciaram. Os operários interromperam a obra e fazem sua sesta.
Volto a mim mesma e encerro esta crônica – nostálgica, irônica e saudosista – com outro trecho da canção que diz: “Eu era feliz e não sabia..."