sábado, 25 de fevereiro de 2012

Ressaca e despedida


crônica e foto:Walnize Carvalho

Hic! Um soluço interminável, um peso enorme na cabeça (como se pousasse sobre ela um elefante), um gosto amargo na boca – gosto de cabo de guarda-chuva, dizem alguns -, náusea, mal estar, “estômago embrulhado” e o olhar distante fixado em lugar algum.
Sabem de quem estou falando? Da famosa ressaca que,principalmente, nos últimos dias (dias que sucedem ao carnaval) amuitos abate.
Estranhamente reconheço, que tenho quase todos os sintomascitados, embora não ingira bebida alcoólica, nem tão pouco tenha participado da festa.
Sou tomada de uma leve prostração, de desalento, de incômodo.
Movida de certa nostalgia percebo, que também estou de ressaca, mas de uma ressaca atípica: a ressaca da despedida. É hora de retornar da temporada de veraneio.
É tempo abrir o armário, pendurar a fantasia e buscar vestimentas adornadas de bom senso, otimismo, sobriedade e esperança...
É tempo de apagar luzes, fechar janelas, recolher redes nas varandas...
É tempo de arquivar na memória: shows, trios elétricos,churrasqueiras nos quintais, mergulhos no mar, picolés, sorvetes, águade coco, refrigerantes e cervejinhas...
É tempo de se despedir do colorido das barracas a beira mar;dos quioques apinhados de gente colorida; dos encontros vesperais em casa de parentes, dos bate papos com amigos no calçadão ( enquanto a neta brincava descontraída nos brinquedos da pracinha), das idas à Feira da Roça e à Peixaria...
É tempo de passar olhos de adeus sobre a Natureza: sobre o canto dos bem te vis; o farfalhar das folhas das amendoeiras, que correm livres pelas calçadas; o baque no chão, das frutas caídas das referidas árvores; os beija flores sugando papoulas multicoloridas; o gato que se espreguiça no muro do vizinho; a altivez da garça no brejo; da inocência do menino e sua pipa...
E mais... é tempo de caminhar por entre as casuarinas, assistir a dança sincronizada de seus galhos; de ver barcos emborcados sobre a areia e de ir à beira mar e diante do majestoso oceano, agradecer os dias felizes...
É tempo - mais do que tempo - de esperar a noitinha chegar,observar (mais uma vez) a primeira estrela que pintar no céu ( na companhia da lua crescente) e em atitude de contrição e respeito desejar estar de volta no futuro Verão.
No mais, é constatar que a “ressaca”, que quase me levou de roldão,já se diluiu por si mesma permitindo,que eu possa dar início-finalmente- à caminhada do ano novo que me espera.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Liberdade maior


Walnize Carvalho

Queria ser livre
Correr mundos
Viver!...
Até que um dia
(que dia!)
Uma ventania de fim de tarde
Satisfez
O seu desejo.
Que felicidade!
Nos braços do vento
Foi em busca
Da vida sonhada
Da viva
Somente vivida
Pelos passarinhos
Que vinham pousar na árvore em que morava.

E
Lá se foi ela.
Feliz
Correu quintais
Atravessou muros
Percorreu quintais...

Até que...
Um vento maroto
A fez cair
No rio que cortava a cidade.
Levada pelas águas
Se foi para
um mundo
liberto
um mundo
distante
pra não mais voltar..

-Esta é a história de uma folhinha que um dia se foi da árvore do meu quintal.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Encontro inadiável

Walnize Carvalho

- Desta tarde não passa! balbuciou, enquanto se olhava ao espelho.E acrescentou: - Não dá mais para adiar o tão sonhado encontro. ..
Afinal – pensou - nasceram juntas, foram criadas juntas. E, de há muito não se encontravam. Não por falta de querer, de necessitar até.
Mas... com verão, as férias e a presença festiva das netas, resolveu deixar seu projeto para momento oportuno. Sem abatimento e até imbuída de saudade e prazer, acompanhou os momentos de muito agito e poucas horas de descanso vivenciados pelas meninas. E foram dias de banhos de mar em demasia; de comida fria sobre o fogão; de sonoras gargalhadas na varanda; de passeios vesperais no calçadão; de troca troca de roupa, de sussurros e confidências com as amigas. Para elas, as palavras de ordem eram: animação, descontração e ... confusão. As disputas ocorriam a cada minuto: na rede, no lugar à mesa, na fila do chuveiro, em frente ao espelho e no colo da avó.
Gastaram energia, contabilizaram momentos felizes e solidificaram amizades.
À ela– a matriarca da família – coube a função de “ botar ordem no vespeiro”,que iam desde preparar lanches, recolher toalhas molhadas sobre as camas, arrumar revistas espalhadas e atender às coleguinhas no portão...
E, agora, com o fim das férias escolares era a hora da despedida.
As netas se foram.
E naquela tarde, enquanto se olhava no espelho, sentiu que era chegado o momento do sonhado encontro. Já não era sem tempo. Tempo de matar saudades, escutar, dialogar, chorar dores acumuladas, dividir vitórias alcançadas, falar de planos futuros, relembrar o passado, pôr em dia o presente, reavaliar decisões tomadas, filosofar, rir de frivolidades, comentar assuntos triviais: moda, a nova novela das oito, o novo corte de cabelo, a dieta sempre adiada.
Fazer um pouco de análise sobre a crise mundial, futebol, Big Brother... sei lá!
Gastar alguns minutos, quem sabe, horas botando o papo em dia...
E foi neste ímpeto de desejo inadiável que ela decidiu ir ao encontro dela. Saiu-se de frente do espelho.
Tomou uma ducha de água fria, ajeitou os cabelos molhados e os amarrou com um laço de fita.
Arrumou-se de forma despojada (afinal, a estação verão é um convite à descontração): vestido leve e colorido sobre a pele e sandália rasteira nos pés.
Abriu a porta de casa e partiu..
O sol já se punha quando caminhou em direção ao mar.
Sentou-se à sua frente olhando distraída a linha do horizonte.
O olhar fixo fez com que cerrassem as pálpebras.
Deixou-se levar pelo cansaço e estirou o corpo sobre a areia úmida em total entrega, ficando neste estado de letargia por algumas horas.
Foi despertada pelo ruído de um helicóptero que cruzava o céu em direção a alguma plataforma da Petrobras.
Pegou “carona” no voo e, afinal, foi ao tão sonhado encontro consigo mesma.