quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Dia a dia

Walnize Carvalho

“Todo dia ela faz tudo sempre igual... ...sorriso pontual ... ... boca de hortelã ... “
Na FM, em baixo volume , Chico Buarque derramava estes versos. A mulher pegou - os emprestado para si, com um sorriso irônico nos lábios.
E, de forma frenética, começou a tirar a louça do café, arrumar a mesa com a jarra florida , e mais ... e mais ...
“Tudo sempre igual!...” resmungou irritada.
  Um pensamento relâmpago surgiu. Pensou em atos rotineiros.
Veio - lhe à mente o balconista da lanchonete de um shopping. Todos os dias – anos a fio – ele prepara pizzas rápidas e toca um sino a cada saída do forno , chamando a atenção dos frequentadores daquele lugar . Como ele, tantos personagens desfilam frente aos seus olhos diariamente, em suas caminhadas matinais.
Caminhada matinal... Também sua rotina.
Parou com os afazeres domésticos. Foi a janela. Debruçou-se no parapeito, distraída.
Avistou a idosa que apanhava sol na praça com a dama de companhia.
Pensou em tanta sequência de atos: a do presidiário; a do enfermo na cama de um hospital ; a do trabalhador ao sol ... “ todo dia “ !
Um prazer pela sua existência a fez trocar rápido a roupa e sair à rua.
Os versos musicais voltaram à lembrança:”Todo dia ela faz tudo sempre igual”.
-Tudo sempre igual? Balbuciou, aliviada.
Com gosto de liberdade aceitou mais um convite da manhã ensolarada.
Começou a caminhada.
E, como na melodia...beijou a vida “com a boca da paixão”.