sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Velha Companheira


Walnize Carvalho

Com o término do ano preparo-me para a sua despedida. E, confesso, já estou com saudades dela.
Olho-a com ares de ternura e uma certa melancolia me invade.
Vejo o seu jeito cansado, desgastado, amarrotado pelo tempo – afinal, um ano se passou – e ela ali, firme, guerreira, acima de tudo, velha companheira.
Sem ser volúvel (mas é necessário que assim o faça) irei substituí-la por outra. É o ciclo da vida.
Com ela, nestes doze meses, dividi tristezas e alegrias.
Arquitetei planos.
Realizei sonhos.
Deixei em sua face sinais de lágrimas e até marcas de batom.
Impregnei-a de frases lidas, ouvidas e até criadas por mim.
Empenhei com ela (em vão) a sentença de que “não se deixe para amanhã o que pode fazer hoje”. Mas, muitas vezes, dada às circunstâncias coisas ficaram para... depois de amanhã.
Ela, compreensiva e silenciosa, sempre entendia os meus anseios.
Minhas frustrações? Passei-lhe todas.
Derramei sobre seus ombros várias emoções vividas e ela as recebia com entusiasmo.
A simbiose afetiva transcorria de forma envolvente e profunda.
Verdadeira entrega.
Como autêntica arquivista documentou tudo o que eu lhe passava sem contestação.
Agora, aqui fico a admirá-la e esquecida de mim leio em seu semblante minha história desenhada.
Revejo no tempo o meu aprendizado e constato que foi enriquecedor estar em sua companhia.
Ela está de partida. Cansada, mas com sentimento do dever cumprido, pois mais do que companheira foi minha cúmplice.
Agüentou, serenamente, confissões e desabafos.
Com o término do ano preparo-me para despedir-me da minha AGENDA .
Uma amiga? Uma companheira? Tudo isso. Mas, acima de tudo, a reprodução de mim mesma.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

E chegou o Natal...



Aproveito o desenho da neta Valentina - as crianças e sua inocência nos renovam - para desejar a amiga Ana e aos que passam os olhos pelas minhas postagens uma Noite feliz!

Para sempre Papai Noel


Walnize Carvalho
(da lembrança do meu pai)

A menina entreabre os olhos.
Vê que vem do cômodo ao lado de seu quarto, uma luminosidade.É manhãzinha. Olha para o lado. Suas irmãs estão dormindo nas caminhas enfileiradas.
Levante-se, sorrateiramente, e vai ate aonde a luz chama. La está ele –seu pai- os apetrechos de barbear :bacia, pincel, espuma, gilete.
Prepara a espuma e desenha no rosto a barba – barba de Papai Noel.
A menina chega. Debruça-se sobre o parapeito da pia e fica a admirar aquele que tantos anos repete o ritual e transforma no seu herói preferido.
Espuma branca ... lembrança pura.
A mulher entreabre os olhos.
Sai á rua na manhãzinha. Passa por uma barbearia.Espia um senhor sentado,toalha no pescoço,cabeça recostada.
O barbeiro prepara o rosto dele. Mesmos apetrechos de barbear. Mesmas lembranças.
Modela naquele rosto cansado a barba de espuma branca.
O Papai Noel volta a bailar na mente daquela mulher.
O momento é mágico e por segundos uma nuvem de paz envolve o ambiente.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Para Ana Paula


"Eu encheria de estrelas
uma cesta bem grande,
se pudesse colhê-las...

Escolheria com carinho
e o máximo cuidado
(será que elas se apagam
ou se quebram?!...)
as mais brilhantes,
as que ficam mais perto
do trono azul de Deus...

Depois, iria à sua casa,
toda cheia de brilhos,
como a primeira distribuidora de estrelas,
de estrelas vivas e genuínas!

E, num arranjo cuidadoso
de decorador diplomado
deixaria seu quarto
ou,se prefere, a sua sala
igual a um grande céu
tendo o maior cuidado
de fazer de tal modo o meu arranjo,
que ficasse
bem claro e definitivo.

Depois, me esconderia
atrás da cortina
a fim de ver e curtir
aquele brilho nos seus olhos,
ao descobrir o meu presente:
-o céu trazido assim
pra dentro do meu quarto!

Mas...
que adianta sonhar?
Estrelas são estrelas
e nunca poderão baixar à terra...


No entanto,Amiga,
se você
olhar hoje à noite, pela janela
eu juro, que verá
algumas estrelinhas
piscando pra você
como a dizerem:
"Uma ave me contou que hoje é seu dia!
Meus parabéns!
FELIZ ANIVERSÁRIO!"

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Denominações afetivas



Walnize Carvalho




Nunca tive apelidos... Aliás, nem eu e nem minhas irmãs. Nossos nomes nasceram da junção de sílabas dos nomes de nossos pais.
Parece que respeitando o poeta (afinal, papai também escrevia sílabas metrificadas) a coisa assim se fez.
Escrevendo a palavra papai (que não é apelido), assim como mamãe, titia, mana, dindinha, vovó, bisa e outras que surgiram da linguagem das crianças, percebo que estas denominações afetivas incorporaram ao chamamento e, na maioria das vezes, substituem o próprio nome das pessoas.
Sei da história de um neto que ficou surpreso ao ouvir alguém da casa chamar sua avó pelo nome e contestou: - Vovó é vovó, não é Maria!...
Como também ouvi (não me contaram) uma esposa chamar o marido de pai e este chamá-la de mãe deixando atônito um distraído senhor que não captou o código do casal.
Contando um pouco de mim, até que já ensaiaram chamar-me de Wal (não vingou) e fui “Marta Rocha” em criança pela semelhança da cor dos olhos (título que ser perdeu no tempo).
Não me frustro de não ter apelidos, uma vez que tenho mãe, irmãs, madrinha, afilhados, filhos e netas que de tanto mencioná-los já me premiam com a alcunha de coruja.
Pensando bem, apelidos são formas de demonstrar carinho mas também, quase em sua maioria, traduzem um jeito jocoso de desqualificar o outro.
Na verdade, o que me preenche e até adoto como sobrenome é ser referência para o próximo.
Ser chamada de amiga (quando você se empenha por merecer); ser considerada um ser especial; estar tatuada no coração do outro... é bom demais!
Imagina alguém confessar: - Gosto de lhe preservar. Ou então: - Você é uma espécie em extinção. Ou num arroubo dizer-lhe: - Você é uma reserva moral! Chique, não é?!
Pode parecer chinfrim, mas ouvir ao telefone uma amiga confessar: “Você é como o sol: não aparece todos os dias, mas eu sei que ele existe”. Você se acha, no mínimo, uma superstar!
E que tal encontrar na rua com uma velha conhecida e ela lhe saudar: - Menina, como está sumida! Este “menina” faz você ganhar o dia ou, quem sabe, anos de vida.
Há, é claro, alguns exageros. Exemplo típico vem de algumas atendentes de telemarketing que adoram nos chamar de “querida”. Argh!
Quer elogio mais animador (?!?) alguém chamá-la de “fofinha” quando na verdade seu manequim já está na casa dos 46?
O certo é que gestos de ternura valem mais do que qualquer honraria ou título.
E quando bem empregados atuam como um cafuné na alma.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

História em quadrinhos


Walnize Carvalho
Manhã de sexta-feira.
Ida ao shopping.
Entre pessoas apressadas, curiosas, mal-humoradas, com sacolas, com crianças, cenhos fechados, observadoras, casais de namorados... Ela passa, a mulher.
Observa o olhar faminto. Uns com fome de guloseimas, outros de consumos materiais.
E como o lugar é propício para diversão, lazer e prazer, flagra sorrisos de felicidade: da moça no balcão da loja olhando as fotos reveladas; da jovem na livraria recebendo um livro de presente; da menina comprando sorvete de três sabores; da senhora pesando na balança da farmácia.
E mais a alegria estampada no senhor sorvendo vagarosamente o café expresso; do menino jogando videogame; do rapaz assistindo esporte na tevê da loja; do idoso conferindo a tabela de promoção de remédios...
Continua andando.
Um “flash” a faz parar. Uma pessoa a observa.
Está diante de um espelho. A mulher e a escritora frente a frente completam os personagens da história em quadrinhos de uma revista diária.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Elas estão crescendo...


Walnize Carvalho
Lembro-me bem, com que carinho, falei sobre elas : “As meninas circulam meu dia- a - dia. Jogam-me na roda, no centro da roda, na berlinda. A romântica puxa-me pela saia, quer que abre gavetas, escreva emoção sentida em qualquer folha de papel.A vaidosa coloca-me frente ao espelho,quer me ver bem - olhos brilhantes - batom bem retocado nos lábios .A organizada olha o relógio, ajeita a roupa, combina cores de calçado e blusa ,vai à luta cumprir jornada e é a mesma que chega comigo ao lar e insiste em brincar de “casinha”.A desprendida (cabelos ao vento) corre lépida para ver o mar, o luar,ou alguém para falar...agitada deixa-me quase sem ar! Mas, há a menina assustada, que vez por outra vem visitar-me na calada da noite...se achega de mansinho, pede-me colo e uma historinha que a faça dormir...E assim, brincando com elas de “bem-me-quer e mal-me-quer” encontro no dia-a-dia minha essência de Mulher!...”
E, de repente, dia desses percebo o desassossego .A um canto as cinco meninas cochichavam dando-me a nítida impressão que falavam a meu respeito.
Aproximaram-se de mim e novamente colocaram-me na berlinda.A desprendida tomando as dores das outras,iniciou as reivindicações: -Não somos mais crianças! Queremos liberdade!Eu, por exemplo, estou entediada! Você - apontou-me- só quer saber de viagens virtuais! De vez em quando,vamos a um cineminha com a condição de que eu fique com modos de menina comportada. Não me leva para ver o mar, o luar ...
Foi a deixa para que a vaidosa entrasse em campo:-Para onde foram nossas idas constantes ao salão de beleza, às compras nos shoppings?
Bastou para que a organizada se manifestasse : -Aposentou se do trabalho e da vida social também? Até as nossas brincadeiras de “casinha” se tornaram enfadonhas de tão rotineiras!
A assustada começou a cantarolar: “Eu perdi o medo/o medo da chuva!...” E acrescentou,com ares de superioridade: -Nada como um bom livro de cabeceira para me levar ao sono!
Sem ação e sem resposta fiquei por ali, pensativa, durante alguns minutos.
Levantei-me da cadeira e me preparava para uma ducha fria, quando alguém enlaçando-me pelo pescoço sussurrou aos meus ouvidos: - Quero que fique tudo como está! Serei sempre sua companheira!
Saímos abraçadas e emocionadas em busca de papel e caneta: eu e a menina romântica.