sábado, 28 de fevereiro de 2009

Ode ao gato, onde há ódio ao gato


Escolhi esse texto do Artur da Távola pra tratar de uma tristeza. O Fellini, nosso gato que estava conosco há sete anos, está desaparecido. Ele chegou à nossa casa com dois ou tês anos, ou seja já é um senhor idoso. Quem sabe ao fim do dia não apareça com seu ar doce e altivo ignorando solenemente os ataques histéricos de Johnny, meu cocker spaniel.

Amável, gentil mesmo, e profundamente independente como é da natureza dos gatos.
Bichos polêmicos sem o querer, porque sábios, mas inquietantes, talvez porisso. Nada é mais incômodo que o silencioso bastar-se dos gatos. O só pedir a quem amam. O só amar a quem os merece. O homem quer o bicho espojado, submisso, cheio de súplica, temor, reverência, obediência. O gato não satisfaz as necessidades doentias do amor. Só as saudáveis. Lembrei, então, de dizer, dos gatos, o que a observação de alguns anos me deu. Quem sabe, talvez, ocorra o milagre de iluminar um coração a eles fechado? Quem sabe, entendendo-os melhor, estabelece-se um grau de compreensão, uma possibilidade de luz e vida onde há ódio e temor? Quem sabe São Francisco de Assis não está por trás do Mago Merlin, soprando-me o artigo?

Já viu gato amestrado, de chapeuzinho ridículo, obedecendo às ordens de um pilantra que vive às custas dele? Não! Até o bondoso elefante veste saiote e dança a valsa no circo. O leal cachorro no fundo compreende as agruras do dono e faz a gentileza de ganhar a vida por ele. O leão e o tigre se amesquinham na jaula. Gato não. Ele só aceita uma relação de independência e afeto. E como não cede ao homem, mesmo quando dele dependente, é chamado de arrogante, egoísta, safado, espertalhão ou falso. "Falso", porque não aceita a nossa falsidade com ele e só admite afeto com troca e respeito pela individualidade. O gato não gosta de alguém porque precisa gostar para se sentir melhor. Ele gosta pelo amor que lhe é próprio, que é dele e ele o dá se quiser.

O gato devolve ao homem a exata medida da relação que dele parte. Sábio, é espelho. O gato é zen. O gato é Tao. Ele conhece o segredo da não-ação que não é inação. Nada pede a quem não o quer. Exigente com quem ama, mas só depois de muito certificar-se. Não pede amor, mas se lhe dá, então ele exige. Sim, o gato não pede amor. Nem depende dele. Mas, quando o sente, é capaz de amar muito. Discretamente, porém sem derramar-se. O gato é um italiano educado na Inglaterra. Sente como um italiano mas se comporta como um lorde inglês.

Quem não se relaciona bem com o próprio inconsciente não transa o gato. Ele aparece, então, como ameaça, porque representa essa relação precária do homem com o (próprio) mistério. O gato não se relaciona com a aparência do homem. Ele vê além, por dentro e pelo avesso. Relaciona-se com a essência. Se o gesto de carinho é medroso ou substitui inaceitáveis (mas existentes) impulsos secretos de agressão, o gato sabe. E se defende do afago. A relação dele é com o que está oculto, guardado e nem nós queremos, sabemos ou podemos ver. Por isso , quando surge nele um ato de entrega, de subida no colo ou manifestação de afeto, é algo muito verdadeiro, que não pode ser desdenhado. É um gesto de confiança que honra quem o recebe, pois significa um julgamento.

O homem não sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o homem. Se há desarmonia real ou latente, o gato sente. Se há solidão, ele sabe e atenua como pode (ele que enfrenta a própria solidão de maneira muito mais valente que nós). Se há pessoas agressivas em torno ou carregadas de maus fluidos, ele se afasta. Nada diz, não reclama. Afasta-se. Quem não o sabe "ler" pensa que "ele não está ali. Presente ou ausente, ele ensina e manifesta algo. Perto ou longe, olhando ou fingindo não ver, ele está comunicando códigos que nem sempre (ou quase nunca) sabemos traduzir.

O gato vê mais e vê dentro e além de nós. Relaciona-se com fluidos, auras, fantasmas amigos e opressores. O gato é médium, bruxo, alquimista e parapsicólogo. É uma chance de meditação permanente a nosso lado, a ensinar paciência, atenção, silêncio e mistério. O gato é um monge portátil à disposição de quem o saiba perceber. Monge, sim, refinado, silencioso, meditativo e sábio monge, a nos devolver as perguntas medrosas esperando que encontremos o caminho na sua busca, em vez de o querer preparado, já conhecido e trilhado. O gato sempre responde com uma nova questão, remetendo-nos à pesquisa permanente do real, à busca incessante , à certeza de que cada segundo contém a possibilidade de criatividade e de novas inter-relações, infinitas, entre as coisas.

O gato é uma lição diária de afeto verdadeiro e fiel. Suas manifestações são íntimas e profundas. Exigem recolhimento, entrega, atenção. Desatentos não agradam os gatos. Bulhosos os irritam. Tudo o que precise de promoção ou explicação, quer afirmação. Vive do verdadeiro e não se ilude com aparências. Ninguém em toda natureza aprendeu a bastar-se (até na higiene) a si mesmo como o gato!Lição de sono e de musculação, o gato nos ensina todas as posições de respiração ioga. Ensina a dormir com entrega total e diluição recuperante no Cosmos. Ensina a espreguiçar-se com a massagem mais completa em todos em todos os músculos, preparando-os para a ação imediata. Se os preparadores físicos aprendessem o aquecimento do gato, os jogadores reservas não levariam tanto tempo (quase 15 minutos) se aquecendo para entrar em campo. O gato sai do sono para o máximo de ação, tensão e elasticidade num segundo. Conhece o desempenho preciso e milimétrico de cada parte do seu corpo, a qual ama e preserva como a um templo.

Lição de saúde sexual e sensualidade. Lição de envolvimento amoroso com dedicação integral de vários dias. Lição de organização familiar e de definição de espaço próprio e território pessoal. Lição de anatomia, equilíbrio, desempenho muscular. Lição de salto. Lição de silêncio. Lição de descanso. Lição de introversão. Lição de contato com o mistério, com o escuro, com a sombra. Lição de religiosidade sem ícones. Lição de alimentação e requinte. Lição de bom gosto e senso de oportunidade. Lição de vida, enfim, a mais completa, diária, silenciosa, educada, sem cobranças, sem veemências, sem exigências.

O gato é uma chance de interiorização e sabedoria posta pelo mistério à disposição do homem.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Sobre alma e janelas...


Esse poema de Adélia Prado se chama janela. Eu na época de faculdade fiz um haikai com a palavra janela.Anda perdido em algum canto desse mundo.

Janelas sempre me encantaram. Especialmente em noite de lua. Em noites frescas de maio, por onde entram a brisa e a luz intensa do luar.

Ah, janelas.Gostava de pular por elas, gostava de sentar no peitoril.

Abri a janela da alma quando li esse poema. Da minha alma que transborda.

JANELA

Janela, palavra linda.
Janela é o bater das asas da borboleta amarela.
Abre pra fora as duas folhas de madeira à-toa pintada,
janela jeca, de azul.
Eu pulo você pra dentro e pra fora, monto a cavalo em você,
meu pé esbarra no chão.
Janela sobre o mundo aberta, por onde vi
o casamento da Anita esperando neném, a mãe
do Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vi
meu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai:
minhas intenções com sua filha são as melhores possíveis.
Ô janela com tramela, brincadeira de ladrão,
clarabóia na minha alma,
olho no meu coração.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Poesia na bagunça do dia-a-dia...

Por hora roubo versos por aí. Qualquer manhã dessas volto eu mesma a escrevê-los.


MUDEZ

Torquato da Luz


Quando por fim voltares, traz no olhar
a nesga de areal onde algum dia
te encontrei entre a espuma e a maresia,
passeando a surpresa de haver mar.

Traz também nos cabelos o luar
e deixa que o veneno da poesia
nos envenene aos dois em sintonia,
como exige o mistério do lugar.

Talvez assim eu possa finalmente
segredar-te as palavras que não soube
dizer-te no momento em que te vi

pela primeira vez e, de repente,
o mundo foi tão grande que não coube
na minha voz e logo emudeci.

Divulgação


Estava pensando em lançar um blog que misturasse textos com culinária há algum tempo.
Minha amiga Natália Augusto, blogueira portuguesa e apaixonada pela arte culinária, topou a empreitada.
Numa dessas conversas longas que travamos conseguimos levar a ideia a frente.
O blog se chama Sabor e Histórias...delícias da terra,contos de vida (http://saborehistorias.blogspot.com/). São muitas histórias de família recheadas com receitas tradicionais ou criadas por nós. Não se espante se encontrar um pastel de nata da brasileira ou uma feijoada da portuguesa.
Se quiser saborear essa novidade, aguardamos a visita à nossa cozinha.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Amor feinho

Eu adoro os poemas da Adélia Prado. Tão cotidianos, tão diretos e ao mesmo tempo cheios de delicadezas.

Uma simplicidade cheia de cumplicidade com os pensamentos mais comuns.

São lindos os poemas da Adélia...Primavera

"Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho."

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Dormindo com anjos...

Tinha tudo pra ter um sono agitado.

No dia seguinte era dia de pagar os cartões de crédito, meu pai anda doente, mas desde que coloquei meu corpo sobre a cama intuí que seria diferente.

Comecei a ler, como sempre, um livro para que o sono viesse. Na hora das orações uma sensação de paz invadiu minha alma toda, e as imagens que me vieram foram as mais suaves do mundo.

Fui dormir me sentindo uma privilegiada. Uma aura de tranqüilidade e mesmo de felicidade, uma alegria suave, dessas que não surgem todos os dias.

Tive até um pesadelo com meu cachorro, mas no meio dele o bichinho se acalmava.

Acordei junto com o sol, preparei o leite do meu filho, fiz as orações da manhã (as mesmas imagens estavam lá) e voltei a dormir.

Outra vez um pesadelo me assaltou, literalmente, pois foi com uma tentativa de assalto num banco. Mas o final foi feliz (onde já se viu final feliz num assalto!!??), com tudo resolvido.

O cotidiano continua com seus problemas, tenho contas a pagar, telefonemas a dar, mas acordei sem sobressaltos. Acordei com certezas de que posso dar conta dos obstáculos da vida.

O dia até amanheceu mais fresquinho, com uma brisazinha amiga.

Pois é, carpe diem.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Ter ou não ter namorado





"Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo.
Namorado é a mais difícil das conquistas.
Difícil por que namorado de verdade é muito raro.
Necessita de adivinhação, de pele, de saliva,lágrimas, nuvem, quindim, brisa ou filosofia.
Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil .
Mas namorado é mesmo difícil.
Namorado não precisa ser o mais bonito,mas ser aquele a quem quer se protegere quando se chega ao lado dele a gente treme,sua frio e quase desmaia, pedindo proteção.
A proteção dele não precisa ser parruda, decidida ou bandoleira,basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem amor,é quem não sabe o gosto de namorar.
Se você tem três pretendentes , dois paqueras,um envolvimento e dois amantes,mesmo assim pode não ter um namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto de chuva,cinema sessão das duas, medo do pai,sanduíche de padaria ou drible no trabalho.
Não tem namorado quem transa sem carinho,quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa e quem ama sem alegria.
Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade.
Namorar é fazer pactos com a felicidade ainda que rápida,escondida, fugidia ou impossível de durar.
Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas,do carinho escondido na hora em que passa o filme,de flor catada no muro e entregue de repente,de poesia de Fernando Pessoa,Vinícius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar,de gargalhadas quando fala junto ou descobre a meia rasgada,de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia ou mesmo metrô, nuvem, cavalo alado,tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado,fazer sesta abraçado, fazer compras junto.
Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor,nem ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele,abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e do amado e sai com ela para parques, fliperama,beira d´agua, show de Milton Nascimento,bosques enluarados, ruas de sonho ou musical do metrô.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele,quem não dedica livros, quem não recorta artigos,quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado.
Não tem namorado quem ama sem gostar,quem gosta sem curtir, quem curte sem se aprofundar.
Não tem namorado quem nunca sentiu o gostode ser lembrado de repente no fim de semana,de madrugada ou no meio dia de sol em plena praia cheia de rivais.
Não tem namorado quem ama sem se dedicar,quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações,quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.
Não tem namorado quem não fala sozinho,não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e medos,ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar.
Enfeite-se com margaridas e ternuras, escove a alma com leves fricções de esperança.
De alma escovada e coração estouvado,saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui
e sorria lírios para quem passar debaixo de sua janela.
Ponha intenções de quermesse em seus olhos
e beba licor de conto de fadas.
Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta
e do céu descesse uma névoa de borboletas,cada qual trazendo uma pérola falante
a dizer frases sutis e palavras de galanteria.
Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu
aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente começar a fazer sentido.
....ENLOU-CRESÇA."
Artur da Távola

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Tempo...


...de flor

A TV informa: terminou o horário de verão...

Há dias o verão foi partindo de mim. Foi levando sua falta de brisa, seu sol escaldante, as sensações ruins do excesso de calor.

Um vento vem invadindo minha alma, tornando mais lindas minhas manhãs.

Outro dia sonhei com uma noite enluarada. Devia ser uma noite de maio.

Adoro maio e seus dias perfumados. Dias em flor.

Acho que maio está começando a amanhecer em mim.