sexta-feira, 20 de abril de 2012

Assim, assim, distraída...

                                                                       Walnize Carvalho

            Assim, assim, distraída... você se vê - olhos abertos -, olhar fixo no teto do quarto ouvindo o burburinho que vem dos caminhantes notívagos  e imagina,  pela alegria resvalada, que retornam de alguma festa.
            Assim, assim, distraída...você caminha até a janela da sala  e  “rouba “ um pouco da alegria do grupo e não maldiz a insônia que lhe fazia companhia.
            Assim, assim, distraída...você  observa que  há outros passantes noturnos: trabalhadores que vão e vem e imagina, pelo ar de cansaço dos que vão, de que o plantão foi “puxado” e pelo jeito  dos que vem, a disposição costumeira e a promessa de um bom dia de trabalho (afinal, há tantos por aí  - desempregados - querendo estar no seu lugar!)
            Assim, assim, distraída...você  percebe que a madrugada já vai dando lugar ao dia que amanhece, e imagina a  nobre e silenciosa “troca de turnos”: lições da Mãe Natureza.
            Assim, assim, distraída...você  ouve  pássaros madrugadores e sua cantoria  e imagina a paz que deve estar sentindo também alguém (que como você) tem o privilégio de usufruir destes acordes.
            Assim, assim, distraída...você se dá conta  que o sol acaba de entrar em cena:  esplendoroso e, maroto, se  espreguiçando por entre as folhagens das árvores avistadas na rua já quase deserta.E, imagina a lição de grandiosidade do que é ser luz e esperança aos que se postam para saudá-lo.
            Assim, assim, distraída...você  sente a brisa matinal lamber-lhe a face, cerra os olhos e imagina ser o afago de quem lhe quer bem.
            Assim, assim, distraída...você  deixa  a imaginação fluir: você cria asas, viaja no tempo e, em segundos, chega à infância, sobe em árvores, colhe frutas... Em seguida, corre livre por campos floridos, recolhendo flores orvalhadas caídas no chão e segue até sua casa a fim de colocá-las na jarra  para enfeitar e perfumar o ambiente.
            Assim, assim, distraída... você imagina, cria, sonha, fantasia, alimenta, planeja, devaneia, inventa, produz, desenvolve, cultiva, idealiza, alça vôos e anda nas nuvens.
            E assim, assim, distraída...você chega a se sentir impregnada pelo aroma reinante, “naquela” jarra de flores, que está sobre a mesa  e inspirada  escreve palavras doces, suaves,  imbuídas de otimismo, que – distraidamente - se tornam a crônica desta manhã de outono.

                                                          

sábado, 14 de abril de 2012

A gente se habitua

                                      A gente se habitua
                                                      Walnize Carvalho
                    
                    E porque há de se viver e agradecer todos os dias o dom da Vida é que me peguei em divagações no último final de semana (feriado prolongado).
                   Tempos atrás não usaria o termo: feriado prolongado  e, sim, Semana Santa pela tradição em que fui criada, tanto quanto outros de minha geração.
Semana Santa... Ainda que a tradição tenha se diluído na roda viva dos novos tempos creio ser oportuno lembrar a proposta de renovação diária, pela qual nos clama a verdadeira Páscoa. Escrevi certa feita os versos, que diziam assim: ‘Páscoa – boa nova’
Como ontem/Para uns/A boa nova é/Rezar.../Refletir.../Recordar.../Ver o Cristo morto/depois ressuscitado/Ter  a  boa Fé do passado./Cobrir/de pano roxo o santo/Sentir/ respeito por todo canto.Cedinho,ir à casa da madrinha/com o melhor sorriso que tinha.Falava-se em ovo/em coelho,/ fertilidade/Em tudo, um só resumo:a Páscoa/ quanta felicidade!/Hoje/para outros/um frenético consumo./Ovo feito de cristais/Ovo de oitocentos reais./Ovo de cerâmica/Ovo de couro/Ovo com fios de ouro/Ovo recheado de joias/Ovo com lingerie/- um enorme frenesi. E o Cristo ressuscitado/Vai ficando de lado/O que se vê é a euforia/O grito da maioria:- Viva! Mais um feriado!...
            É... Quase tudo mudou e a gente acaba se habituando as mudanças.
             A gente se habitua  e porque - repito – há de se viver e agradecer o dom da vida. E nessa vivência somada à experiência, a gente se habitua com a ausência da  família reunida; do abraço apertado,do aperto de mão...
           A gente se habitua com a falta de gentilezas, de afagos e sorrisos...
           A gente se habitua a esperar horas por um telefonema ou - quem sabe- uma mensagem:- Como passou seu dia?... 
           A gente se habitua a dar “um bom dia” para as pessoas em seu caminho sem receber, muitas vezes, a saudação de volta...
          A gente se habitua a não ser notado nas filas, nos meios de transportes, nas calçadas...
           A gente se habitua ao tempo de espera; à falta de tempo, de buscar no tempo o tempo sem tempo de voltar...
          A gente se habitua a assistir e conviver com :  corrupção, destruição, poluição, mar de lamas sem nem  mesmo olhar o mar,  espiar o luar ou  buscar alguém para falar...
         A gente se habitua a mensagens virtuais, a redes sociais, esquecendo o perfume das cartas, a melodia das vozes, o calor dos abraços...
         E depois de tanto costume adquirido - talvez- para não se perder, para não se ferir, para não se machucar, a gente se habitua a poupar a vida que - paulatinamente -   se desgasta, e se esvai em silêncios.



sexta-feira, 6 de abril de 2012

Muito além de coelhos e ovos

Muito além de coelhos e ovos

                    Walnize Carvalho
            Quer cena mais recheada de ternura do que ir ao encontro da netinha na saída da escola e vê-la correr para os seus braços vestida de coelhinho? Nas mãos, um enorme ovo embrulhado em papel lustroso; no olhar, um brilho de alegria e,de quebra,saltitando e cantando:”De olhos vermelhos/ De pelo branquinho/de pulo bem leve/ eu sou coelhinho...
Tudo de fato  muito singelo, pois naquele momento- involuntariamente-  ela está representando  dois elementos significativos da Páscoa: o coelho(fertilidade) e o ovo (renascimento) .Em sua santa ingenuidade , tudo tem sabor de festa!
Mas, no retorno para casa, ela me surpreende quando conta (cheia de expressividade mesclada com espanto)  o que lhe foi ensinado sobre a Semana Santa: “Os homens maus prenderam Jesus na cruz...mas ele ressuscitou!...”
Em mim, ressuscitam vagos pensamentos de  Páscoas distantes: rezas, jejuns, santos cobertos com panos roxos, visitas à casa da madrinha, malhação de Judas e...ovos e coelhos.
Sou levada a refletir sobre esta Celebração. É,sem dúvida,  o momento mais importante da religião cristã.Coincidentemente, neste 2010, católicos, protestantes e ortodoxos(li sobre isso) comemoram na mesma data a Boa Nova.
  E, novamente, reacendem em minha mente expressões agregadas à esta tradição milenar: Paixão de Cristo,Vigília Pascal, Sábado de Aleluia, Domingo de Ramos,Quaresma,abstinência, morte, ressurreição e vida.
 E festejando  a Vida,  nada melhor do que embrulhar num só pacote: renovação de valores, redescoberta de novos caminhos, reconquista de antigas amizades, refreamento de consumismo,   reciclagem de ideias, relembranças de  tempos felizes, retribuição de gestos fraternos, reaprendizagem com os mais idosos , releitura de bons livros...
Estes aconselhamentos (que mais beiram a reflexões pessoais) não detonam   ser pragmatismo de minha parte. Não expressam o sentido de desconstruir a simbologia da Páscoa .
         Ademais,  buscar um  lugar de lazer para curtir o feriado  ( de preferência, saboreando chocolates) é prazeroso. O que não impede de se ir ao reencontro de si mesmo e de se criar a oportunidade de  reinventar a vida!...