A gente se habitua
Walnize Carvalho
E porque há de se viver e agradecer todos os dias o dom da Vida é que me peguei em divagações no último final de semana (feriado prolongado).
Tempos atrás não usaria o termo: feriado prolongado e, sim, Semana Santa pela tradição em que fui criada, tanto quanto outros de minha geração.
Semana Santa... Ainda que a tradição tenha se diluído na roda viva dos novos tempos creio ser oportuno lembrar a proposta de renovação diária, pela qual nos clama a verdadeira Páscoa. Escrevi certa feita os versos, que diziam assim: ‘Páscoa – boa nova’
Como ontem/Para uns/A boa nova é/Rezar.../Refletir.../Recordar.../Ver o Cristo morto/depois ressuscitado/Ter a boa Fé do passado./Cobrir/de pano roxo o santo/Sentir/ respeito por todo canto.Cedinho,ir à casa da madrinha/com o melhor sorriso que tinha.Falava-se em ovo/em coelho,/ fertilidade/Em tudo, um só resumo:a Páscoa/ quanta felicidade!/Hoje/para outros/um frenético consumo./Ovo feito de cristais/Ovo de oitocentos reais./Ovo de cerâmica/Ovo de couro/Ovo com fios de ouro/Ovo recheado de joias/Ovo com lingerie/- um enorme frenesi. E o Cristo ressuscitado/Vai ficando de lado/O que se vê é a euforia/O grito da maioria:- Viva! Mais um feriado!...
É... Quase tudo mudou e a gente acaba se habituando as mudanças.
A gente se habitua e porque - repito – há de se viver e agradecer o dom da vida. E nessa vivência somada à experiência, a gente se habitua com a ausência da família reunida; do abraço apertado,do aperto de mão...
A gente se habitua com a falta de gentilezas, de afagos e sorrisos...
A gente se habitua a esperar horas por um telefonema ou - quem sabe- uma mensagem:- Como passou seu dia?...
A gente se habitua a dar “um bom dia” para as pessoas em seu caminho sem receber, muitas vezes, a saudação de volta...
A gente se habitua a não ser notado nas filas, nos meios de transportes, nas calçadas...
A gente se habitua ao tempo de espera; à falta de tempo, de buscar no tempo o tempo sem tempo de voltar...
A gente se habitua a assistir e conviver com : corrupção, destruição, poluição, mar de lamas sem nem mesmo olhar o mar, espiar o luar ou buscar alguém para falar...
A gente se habitua a mensagens virtuais, a redes sociais, esquecendo o perfume das cartas, a melodia das vozes, o calor dos abraços...
E depois de tanto costume adquirido - talvez- para não se perder, para não se ferir, para não se machucar, a gente se habitua a poupar a vida que - paulatinamente - se desgasta, e se esvai em silêncios.
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