quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Alma de Natal

Walnize Carvalho
 
     O sol acordara cedo e cheio de disposição, já mostrava o seu brilho.
  Saí de casa, em direção ao centro da cidade, a fim de assumir compromissos diários: idas a Banco, farmácia, Casa lotérica e... outros afazeres.
Mesmo que, munida de protetor solar, tentava me esquivar dos raios ultravioletas do sol, à procura de sombra.
  Caminhava ora beirando muros e sacadas ora sob árvores espaçadas ao longo do trajeto.
Pela movimentação mais intensa no comércio e observando a profusão de cores e brilhos, me dei conta de que já estávamos em pleno mês de dezembro, daí o motivo da cidade já se encontrar enfeitada para o Natal.
De repente, avistei na entrada de um estabelecimento comercial um Papai Noel solitário. Ele e a sua tradicional vestimenta vermelha, suas botas pretas, sua imensa barba branca, o saco de brinquedos nas costas, um sino dourado em uma das mãos (cobertas de luvas brancas) e a sua conhecida saudação:”:Ho! Ho! Ho!...
       Confesso que me assustei ao vê-lo postado na porta de uma loja naquela manhã.
Mas... por que do espanto se ele é uma figura afável, carismática, tem ares de bonachão e carrega sempre um sorriso doce nos lábios? Na verdade, não contava que ele já estivesse de volta. Aguardava revê-lo mais para o fim do mês, como antigamente. Doce nostalgia...
Dei de ombros e, pensei ironicamente: por certo, deve ter trocado seu tradicional meio de transporte (trenó) e prevendo caos nos aeroportos ou engarrafamentos nas estradas, optou por precaver-se; contratar um jatinho particular e assim, antecipar sua visita anual. Tempos modernos!...
Segui pensando as repetidas palavras que trocamos com as pessoas que encontramos no dia-a-dia, especialmente a cada fim de ano: - Nossa!... Como o tempo passa depressa! - O ano já está indo embora... De repente, já é Natal! - Ainda não comprei os presentes! - Não sei o que presentear meu amigo oculto!
Mergulhada em divagações atravessei a rua, quando fui despertada pela buzina de um carro que alertava sobre o sinal luminoso.
Refeita do susto, visualizei fatos que vivenciamos cotidianamente e, que apesar de já se tornarem corriqueiros, sempre nos causam surpresa e nos surpreendem.
Absorvida em meus pensamentos, entro em uma farmácia e bem na entrada, diante dos meus olhos, deparo com caixas de sabonetes empilhadas. Exalavam perfume e saudade.
Ao ver escrito na embalagem: “Alma de flores” me lembrei de natais distantes e do carinho e espontaneidade de querida tia (Vivi), que por essas ocasiões, me aguardava em sua casa, com a referida caixa de presente e a recomendação: - É só uma lembrancinha! E concluía : Para você não se esquecer de mim!
É, saudosa tia!... Não a esqueci, como também do pinheirinho no canto da sala coberto de algodão, simbolizando neve; dos cartões natalinos escritos a mão entre outras doces lembranças...
Sequei a lágrima furtiva e segui meu caminho.
Naquela manhã, a verdadeira alma de Natal invadiu o meu ser...

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Quadro

Walnize Carvalho

Entro sem pressa e sem fome no restaurante.
 Comida à peso, mas requintada.
Música ambiente, garçons solícitos, ar refrigerado.
Sem peso na consciência, arrumo o prato de forma harmoniosa e colorida.
A louça branca mais parece uma palheta de pintor.
A cada canto, iguarias em tons vivos e variados.
Fico a olhar a refeição com receio até de tocá-la dada a beleza.
À primeira garfada sinto-me uma pintora, pois ao levantar o talher trago no gesto um toque de leveza ,sugestionada talvez, pela melodia suave que ajuda no desenho imaginário.
Olho para frente.
Na posição em que estou sentada visualizo a rua através do enorme vidro transparente do salão
Vi diante dos meus olhos a movimentação de transeuntes, carros e motos; pessoas na loja em frente, outras conversando na calçada...
E passo a pintar um quadro móvel.
 Levanto-me
.Pago a refeição.
Vou me integrar ao cenário do dia a dia.
  Ao sair, avisto na sarjeta um garoto à espera de um trocado: A rubrica de um quadro real das cidades.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Dia a dia

Walnize Carvalho

“Todo dia ela faz tudo sempre igual... ...sorriso pontual ... ... boca de hortelã ... “
Na FM, em baixo volume , Chico Buarque derramava estes versos. A mulher pegou - os emprestado para si, com um sorriso irônico nos lábios.
E, de forma frenética, começou a tirar a louça do café, arrumar a mesa com a jarra florida , e mais ... e mais ...
“Tudo sempre igual!...” resmungou irritada.
  Um pensamento relâmpago surgiu. Pensou em atos rotineiros.
Veio - lhe à mente o balconista da lanchonete de um shopping. Todos os dias – anos a fio – ele prepara pizzas rápidas e toca um sino a cada saída do forno , chamando a atenção dos frequentadores daquele lugar . Como ele, tantos personagens desfilam frente aos seus olhos diariamente, em suas caminhadas matinais.
Caminhada matinal... Também sua rotina.
Parou com os afazeres domésticos. Foi a janela. Debruçou-se no parapeito, distraída.
Avistou a idosa que apanhava sol na praça com a dama de companhia.
Pensou em tanta sequência de atos: a do presidiário; a do enfermo na cama de um hospital ; a do trabalhador ao sol ... “ todo dia “ !
Um prazer pela sua existência a fez trocar rápido a roupa e sair à rua.
Os versos musicais voltaram à lembrança:”Todo dia ela faz tudo sempre igual”.
-Tudo sempre igual? Balbuciou, aliviada.
Com gosto de liberdade aceitou mais um convite da manhã ensolarada.
Começou a caminhada.
E, como na melodia...beijou a vida “com a boca da paixão”.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A Natureza e a mulher


Foto:walnize Carvalho

A Natureza e a mulher
                                                                  Walnize Carvalho
            Manhã de segunda-feira.
           O dia mesmo de sol e frio dá sinais de que quem não quer sair de cartaz é o inverno.
            Desço do apartamento e saio à rua. Passo, como de costume, pela Aquidaban, onde morei tantos anos e agora a casa é moradia dos filhos.
            Na rua deserta enxergo ao longe o solitário ipê e exclamo: - Nossa, o “ipê de Conceição” floriu de novo! Este ano já é a terceira vez! - Mas, desta feita, já estamos batendo à porta a primavera - balbucio.
            A árvore fica em frente à casa de minha amiga Conceição, de quem fui vizinha durante um bom tempo. Sempre que temos a oportunidade de nos encontrar, saudamos com afetuoso “bom-dia” e trocamos amabilidades, quase sempre em torno da Natureza.
            Apesar da temperatura, fico ali por alguns minutos a observar o esplendor do pé florido, que reina absoluto.
            A copa da árvore de douradas flores ilumina a manhã, ainda que nublada.
            Mesmo tendo o seu lenho bem resistente, o ipê se vê acariciado pelo sopro do vento e se deixa despojar cobrindo toda a calçada com um belo tapete amarelo.
           Paro um pouco em contemplação e fico a meditar: Não foi puro, creio eu, que Deus ao criar a Natureza, batizou-a com nome feminino: NATUREZA.
            Bela, quase sempre. Silenciosa, às vezes. Generosa, outras tantas. Caprichosa, quando quer. Exibicionista. Determinada. Habilidosa. Espontânea. Contraditória. Versátil. Dócil. Rebelde. Voluptuosa.
            Foi assim que lembrei, ao passar em outra tarde chuvosa de inverno, pela BeiraValão  e vi destacando-se entre os ipês floridos, uma imensa árvore coberta de dourados brilhos.
            Como uma bela e desejada mulher, ali se fazia presente, contrariando seu tempo de florescer (primavera). Com pujança dava um show de exibicionismo com tempo marcado para “retirar-se de cena” e usar trajes comuns - a Natureza/mulher e sua suntuosidade...
            E continuei divagando: quantas espécies habitam o Universo (rios, mares, florestas, pássaros, animais, rochedos, cachoeiras etc ...) seguindo a ordem natural estabelecida,  muitas vezes apresentam espetáculos diários sem o olhar do Homem? - a Natureza/mulher e sua espontaneidade...
            Sigo a caminhada. Mais adiante me dou conta de que também há catástrofes, secas, enchentes,  devastações de rios e mares  - a Natureza/mulher e sua intempestividade.
            O pensamento gira. E quando nas redes dos pescadores vêm saltitando sortimento de peixes e crustáceos? - a Natureza/mulher e sua generosidade.
           Sou levada a pensar nas mudanças climáticas quando, de repente, um dia de inverno se faz verão e vice versa - a Natureza /mulher e sua extemporaneidade.
            Paro o trajeto. A chuva cessa. O sol aparece por entre as nuvens. No céu desenha-se um portentoso arco-íris. - a Natureza/mulher e sua versatilidade.   
           Retorno dos compromissos agendados para aquela manhã, usando o mesmo trajeto de ida. Percebo que o solitário ipê está quase desnudado, apenas restando em seus galhos uma única flor.
            O espetáculo natural se encerra sem plateia até a próxima florada, dando provas de que a primavera também fez o seu registro antecipado.
            Corro os olhos ao redor.
           Avisto o sol por entre as folhagens da palmeira, que adorna a calçada de outro vizinho. Apesar de sua timidez o astro rei também quer entrar em cena.
            Chego introspectiva à minha residência. E a ideia inicial me domina: de todas as nuances dadas pelo o Criador, a Beleza sempre está presente.  A mulher. A Natureza e a perplexidade.
             

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Constatação


Walnize Carvalho

Se busco ser feliz,
definitivamente
é
impossível:
acumular
a dor
cultuar
o medo
desenterrar
a mágoa
resgatar
a saudade.

Se busco ser feliz,
definitivamente
é
impraticável:
adiar
projetos
postergar
desejos
retardar
alegrias
protelar
sonhos.

Se busco ser feliz,
definitivamente
é
imprescindível:
arquivar
O PASSADO
esperar
O FUTURO
E no espaço-tempo
vivenciar
O PRESENTE.



sexta-feira, 24 de agosto de 2012

No "Quarto" Do Carmo se sentiu em casa...

...e voltou!

Mais uma de "Do Carmo: a polly...valente"

Walnize Carvalho

Andava a passos largos naquela manhã de segunda, rumo ao centro da cidade, quando senti que em meus calcanhares alguém me alcançara.
Era Do Carmo, que esbaforida foi logo perguntando:- Está indo (como eu) enfrentar alguma fila? Respondi com Hã! Hã!...E ela : É fila de banco, de casa lotérica...que nem as de prioridade tão dando conta!...
Balancei afirmativamente a cabeça e chegamos a esquina a fim de atravessar a rua.De um dos carros o motorista(já freando) acenou para nossa travessia.
Seguimos.
Na calçada, dois senhores conversavam e à nossa passagem silenciaram e abriram gentilmente a passagem.
Entrei na farmácia e Do Carmo ...também! No caixa ,um rapaz cedeu lugar par ela (que sem cestinha,trazia nos braços várias mercadorias) o que ela correspondeu com um sorriso largo.
Saímos -digo saímos - pois ela achou por bem de me fazer companhia.E a cada passo dado, a cada lugar adentrado, Do Carmo se sentia prestigiada, tamanho afeto e atenção a ela dirigidos.
E, subitamente, me disse em tom de euforia: - Acho que depois de aparecer no blog " Quarto de Segredos" virei Celebridade...
Eu, pontual, mas sem querer magoá-la, respondi: -Menos, Do Carmo, menos...Não é que você tenha tornado Celebridade! É tudo culpa da Terceira Idade!!!

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Do Carmo passeia no "Quarto"

Apresento aqui no blog um personagem que criei:"Do Carmo a polly...valente".Geralmente ela nos faz rir de suas atrapalhadas; em outras de sua ingenuidade e até em meio ao riso nos escorre alguma lágrima.É que a Do Carmo é um pouco da vizinha, da tia, da desconhecida e de mim mesma:Retrato de um personagem do cotidiano.

Do Carmo: uma vida a ser contada
walnize carvalho

Quando ela se anunciava (fim de semana ,geralmente, era quando a “danada” a pegava de jeito) sai de baixo ... Do Carmo ficava impossível e com um estranho desejo.
Era a vontade de sentir Tristeza. E tinha que ter tristeza para justificar a tristeza.
Arranjava um grande motivo para deixá-la chegar ... e ficar.
E assim, lenço na cabeça, avental, pano de chão, balde e vassoura se dava a faxinar a casa. Para ela uma sensação ambígua de humilhação e glória. Suor pela face, joelhos no chão, limpava canto por canto. Verdadeiro auto flagelo.
Olhava as unhas pintadas na sexta-feira já totalmente destruídas. A escova progressiva já dava sinais de ter que ser refeita (gastara um bom dinheiro).
Respiração ofegante, coração exultante.
Como estava só em casa aproveitava para ouvir os velhos sucessos musicais do tipo “Ninguém me ama; ninguém me quer”. Cantarolava ... E bem lá no fundo de seu ouvido o refrão da “Escrava Isaura” fazia ressonância: “lerê, lerê, lerêlerêlerêlerêêê”...
Afinal, movida de tamanha felicidade de ter conseguido o seu intento – sentir Tristeza - jogava-se na poltrona (após banho tomado), fechava as cortinas da sala e começava a chorar, gargalhar, soluçar.
Vencida pelo cansaço, dormia abraçada à “visita” como um anjo sem culpa.

sexta-feira, 13 de julho de 2012



Marcas
                                      Walnize Carvalho

Desligou a tevê.
Dirigiu-se ao quarto. Precisava achar o sono, pois tinha compromisso marcado, bem cedo, para o dia seguinte.
Tirava a maquiagem olhando-se no espelho. As marcas do tempo estavam lá, em sua face.
Desfez-se dos trajes e acessórios para usar roupas de dormir.
Correu os olhos pelo corpo: as marcas do maiô, do relógio, da aliança, da vacina tomada em criança, das cirurgias feitas, da correntinha de ouro.Elas estavam lá, bem visíveis.
Sentiu-se como se tivesse sido tatuada pelo o tempo.
Cerrou os olhos. Mergulhou no seu íntimo. E viu lá no fundo do seu coração as marcas patenteadas, mas invisíveis.
Fez o sinal da cruz. Tentou dormir, pois a hora marcada para o compromisso do dia seguinte era cedo: sete da manhã.

sexta-feira, 22 de junho de 2012


Explosões silenciosas
                           Walnize Carvalho 

Céu estrelado em noite de luar

Arco-íris em fim de tarde

Flores em beira de estrada asfaltada

Marolas em rio vistas da ponte

Pássaros em fios elétricos de postes.

Lágrima em olhar de mãe saudosa

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Chuva


 Chuva Walnize Carvalho 
 Tédio Dia chuvoso.
 A chuva empoça a minha alma
. Vontade de chorar
 De colocar A chuva pra fora!... 
 Mas, qual! 
 Olho a chuva da janela. 
 Descubro crianças Banhadas de alegria.
 Também eu, 
 Quando criança 
 Quis me molhar, 
 Brincar na chuva, 
 Buscar alegria.
 Alegria...
 Que esta chuva 
 Tão fria e cinza
 Não me traz. 
 Só Tédio.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Baque

                         
                                              Baque
                                                                                           Walnize Carvalho
                                                                                                       
                                                                                            
            Voltou baqueada para casa.
            Rua vazia.Casa vazia.
            O coração batia descompassado.
            A boca subitamente seca.
            O semblante fechado.           
Abriu o portão.
Compulsivamente começou a faxina: varreu a casa, espanou os móveis...
Mudou os lençóis da cama.Desfez a mesa do café.
Retirou as teias de aranha.
Trabalhada    decidida  e ao mesmo tempo arrastada.
Faxinava como se quisesse arrancar de os maus pensamentos.
Faxinava como se desejasse limpar ar idéias.
           Tarefa cumprida. Casa limpa.
            Quisera, mas não conseguira faxinar a alma.
            Cansada, arriou os ombros.
            Estancou os gestos.
            Jogou-se sobre as almofadas do quarto.
            Fechou as persianas.
            Mergulhada na penumbra , cerrou os olhos.
            Suor e lágrimas  - seu corpo todo chorava.
           

domingo, 13 de maio de 2012

Mãe com adoçante


 Volto de viagem. Dentro do ônibus folheio uma revista.
            Deparo com a reportagem :“Mãe com açúcar” em que reúne “um charmoso time de vovós (celebridades) que no próximo domingo irá comemorar em dose dupla o Dia das Mães.”
            Na matéria as referidas mulheres falam com orgulho, vaidade e carinho das crianças-netas – suas gracinhas e travessuras. E, principalmente, das suas formas de agir com elas.
            Cerro  os olhos e me dou  a meditar.
            Algumas frases ficam no meu subconsciente para reflexão e comparação, já que também como elas detenho  o honroso título de avó.
            “Neto é filho com açúcar”; “Redescobri o sentimento de ser novamente mãe”; “Não tenho que educar,  só mimar”; “É a prova de que estou envelhecendo...”, enumeram elas.
            Reflito: semelhanças e controvérsias de sentimentos.
            De minha parte, adoro estar com as netas. Sair com elas, brincar de “teatro”, contar histórias, ouvir confidências das já adolescentes e, principalmente ,desmistificar a tese de que avó “estraga”os netos. Um exemplo desta minha  afirmativa é que  em tempo algum ofereço-lhes alimentos (refrigerantes e doces, principalmente) sem o consentimento dos pais.
Outra característica minha: gosto de  presenteá-las com mimos fora de “datas comemorativas”. Tanto para mim como para as meninas, o elemento surpresa é a chave da alegria e da descontração, o que acentua entre nós uma ponte  invisível de  ternura.
Sem querer ser exemplo ,apenas me permitir ser confessional,  é a minha dica  de um  convívio salutar e literalmente “light”.Bom demais...e não engorda

sábado, 5 de maio de 2012

Cristais

                                                   CRISTAIS
                                                              Walnize Carvalho

Fim de um casamento ,

prestes a Bodas de Cristal.

Partilha de bens

Divisão de pessoas.

Filhos e mulher de um lado

Marido do outro.

 Casas

 móveis
 
 jóias

e a loja de louças finas :pratarias, porcelanas

e cristais.

                                               Na vitrine,
.                                               
                                                preços de liquidação.
                                               
                                                Relação liquidada
                                                
                                                Cristal quebrado.


sexta-feira, 20 de abril de 2012

Assim, assim, distraída...

                                                                       Walnize Carvalho

            Assim, assim, distraída... você se vê - olhos abertos -, olhar fixo no teto do quarto ouvindo o burburinho que vem dos caminhantes notívagos  e imagina,  pela alegria resvalada, que retornam de alguma festa.
            Assim, assim, distraída...você caminha até a janela da sala  e  “rouba “ um pouco da alegria do grupo e não maldiz a insônia que lhe fazia companhia.
            Assim, assim, distraída...você  observa que  há outros passantes noturnos: trabalhadores que vão e vem e imagina, pelo ar de cansaço dos que vão, de que o plantão foi “puxado” e pelo jeito  dos que vem, a disposição costumeira e a promessa de um bom dia de trabalho (afinal, há tantos por aí  - desempregados - querendo estar no seu lugar!)
            Assim, assim, distraída...você  percebe que a madrugada já vai dando lugar ao dia que amanhece, e imagina a  nobre e silenciosa “troca de turnos”: lições da Mãe Natureza.
            Assim, assim, distraída...você  ouve  pássaros madrugadores e sua cantoria  e imagina a paz que deve estar sentindo também alguém (que como você) tem o privilégio de usufruir destes acordes.
            Assim, assim, distraída...você se dá conta  que o sol acaba de entrar em cena:  esplendoroso e, maroto, se  espreguiçando por entre as folhagens das árvores avistadas na rua já quase deserta.E, imagina a lição de grandiosidade do que é ser luz e esperança aos que se postam para saudá-lo.
            Assim, assim, distraída...você  sente a brisa matinal lamber-lhe a face, cerra os olhos e imagina ser o afago de quem lhe quer bem.
            Assim, assim, distraída...você  deixa  a imaginação fluir: você cria asas, viaja no tempo e, em segundos, chega à infância, sobe em árvores, colhe frutas... Em seguida, corre livre por campos floridos, recolhendo flores orvalhadas caídas no chão e segue até sua casa a fim de colocá-las na jarra  para enfeitar e perfumar o ambiente.
            Assim, assim, distraída... você imagina, cria, sonha, fantasia, alimenta, planeja, devaneia, inventa, produz, desenvolve, cultiva, idealiza, alça vôos e anda nas nuvens.
            E assim, assim, distraída...você chega a se sentir impregnada pelo aroma reinante, “naquela” jarra de flores, que está sobre a mesa  e inspirada  escreve palavras doces, suaves,  imbuídas de otimismo, que – distraidamente - se tornam a crônica desta manhã de outono.

                                                          

sábado, 14 de abril de 2012

A gente se habitua

                                      A gente se habitua
                                                      Walnize Carvalho
                    
                    E porque há de se viver e agradecer todos os dias o dom da Vida é que me peguei em divagações no último final de semana (feriado prolongado).
                   Tempos atrás não usaria o termo: feriado prolongado  e, sim, Semana Santa pela tradição em que fui criada, tanto quanto outros de minha geração.
Semana Santa... Ainda que a tradição tenha se diluído na roda viva dos novos tempos creio ser oportuno lembrar a proposta de renovação diária, pela qual nos clama a verdadeira Páscoa. Escrevi certa feita os versos, que diziam assim: ‘Páscoa – boa nova’
Como ontem/Para uns/A boa nova é/Rezar.../Refletir.../Recordar.../Ver o Cristo morto/depois ressuscitado/Ter  a  boa Fé do passado./Cobrir/de pano roxo o santo/Sentir/ respeito por todo canto.Cedinho,ir à casa da madrinha/com o melhor sorriso que tinha.Falava-se em ovo/em coelho,/ fertilidade/Em tudo, um só resumo:a Páscoa/ quanta felicidade!/Hoje/para outros/um frenético consumo./Ovo feito de cristais/Ovo de oitocentos reais./Ovo de cerâmica/Ovo de couro/Ovo com fios de ouro/Ovo recheado de joias/Ovo com lingerie/- um enorme frenesi. E o Cristo ressuscitado/Vai ficando de lado/O que se vê é a euforia/O grito da maioria:- Viva! Mais um feriado!...
            É... Quase tudo mudou e a gente acaba se habituando as mudanças.
             A gente se habitua  e porque - repito – há de se viver e agradecer o dom da vida. E nessa vivência somada à experiência, a gente se habitua com a ausência da  família reunida; do abraço apertado,do aperto de mão...
           A gente se habitua com a falta de gentilezas, de afagos e sorrisos...
           A gente se habitua a esperar horas por um telefonema ou - quem sabe- uma mensagem:- Como passou seu dia?... 
           A gente se habitua a dar “um bom dia” para as pessoas em seu caminho sem receber, muitas vezes, a saudação de volta...
          A gente se habitua a não ser notado nas filas, nos meios de transportes, nas calçadas...
           A gente se habitua ao tempo de espera; à falta de tempo, de buscar no tempo o tempo sem tempo de voltar...
          A gente se habitua a assistir e conviver com :  corrupção, destruição, poluição, mar de lamas sem nem  mesmo olhar o mar,  espiar o luar ou  buscar alguém para falar...
         A gente se habitua a mensagens virtuais, a redes sociais, esquecendo o perfume das cartas, a melodia das vozes, o calor dos abraços...
         E depois de tanto costume adquirido - talvez- para não se perder, para não se ferir, para não se machucar, a gente se habitua a poupar a vida que - paulatinamente -   se desgasta, e se esvai em silêncios.



sexta-feira, 6 de abril de 2012

Muito além de coelhos e ovos

Muito além de coelhos e ovos

                    Walnize Carvalho
            Quer cena mais recheada de ternura do que ir ao encontro da netinha na saída da escola e vê-la correr para os seus braços vestida de coelhinho? Nas mãos, um enorme ovo embrulhado em papel lustroso; no olhar, um brilho de alegria e,de quebra,saltitando e cantando:”De olhos vermelhos/ De pelo branquinho/de pulo bem leve/ eu sou coelhinho...
Tudo de fato  muito singelo, pois naquele momento- involuntariamente-  ela está representando  dois elementos significativos da Páscoa: o coelho(fertilidade) e o ovo (renascimento) .Em sua santa ingenuidade , tudo tem sabor de festa!
Mas, no retorno para casa, ela me surpreende quando conta (cheia de expressividade mesclada com espanto)  o que lhe foi ensinado sobre a Semana Santa: “Os homens maus prenderam Jesus na cruz...mas ele ressuscitou!...”
Em mim, ressuscitam vagos pensamentos de  Páscoas distantes: rezas, jejuns, santos cobertos com panos roxos, visitas à casa da madrinha, malhação de Judas e...ovos e coelhos.
Sou levada a refletir sobre esta Celebração. É,sem dúvida,  o momento mais importante da religião cristã.Coincidentemente, neste 2010, católicos, protestantes e ortodoxos(li sobre isso) comemoram na mesma data a Boa Nova.
  E, novamente, reacendem em minha mente expressões agregadas à esta tradição milenar: Paixão de Cristo,Vigília Pascal, Sábado de Aleluia, Domingo de Ramos,Quaresma,abstinência, morte, ressurreição e vida.
 E festejando  a Vida,  nada melhor do que embrulhar num só pacote: renovação de valores, redescoberta de novos caminhos, reconquista de antigas amizades, refreamento de consumismo,   reciclagem de ideias, relembranças de  tempos felizes, retribuição de gestos fraternos, reaprendizagem com os mais idosos , releitura de bons livros...
Estes aconselhamentos (que mais beiram a reflexões pessoais) não detonam   ser pragmatismo de minha parte. Não expressam o sentido de desconstruir a simbologia da Páscoa .
         Ademais,  buscar um  lugar de lazer para curtir o feriado  ( de preferência, saboreando chocolates) é prazeroso. O que não impede de se ir ao reencontro de si mesmo e de se criar a oportunidade de  reinventar a vida!...


sexta-feira, 30 de março de 2012

A solitária arte de comunicação

A solitária arte de se comunicar

Walnize Carvalho

Tarde de domingo.
Trancada em meu quarto leio atentamente no jornal a matéria sobre uma pesquisa que enfoca a vasta e inédita correspondência entre o sociólogo Gilberto Freyre e o escritor José Lins do Rego. Já em outra página chama-me a atenção a publicação de um livro em que estão reunidas cartas do grande escritor brasileiro Machado de Assis quando... Toc!Toc! Toc! As batidas na porta interrompem minha leitura.
A neta, que acabara de chegar, comunica que irá usar o computador. Tento segurá-la um pouco e puxando conversa pergunto-lhe: - Não vai ao cinema, nem ao shopping? E ela: - Vou no MSN! E eu, demonstrando conhecimento: - Vai bater papo com as amigas? – Sim, vó! – responde-me. E eu, demonstrando interesse no mundo virtual, recebo dela uma enxurrada de informações: MSN, Orkut, Skype, WebCam – as mais variadas formas de comunicação.
A adolescente sai deixando a porta entreaberta o que dá para que eu ouça o Plim do seu celular e, em seguida... Tec! Tec! Tec! Sinalizando que acabara de receber um torpedo e está retribuindo.
E retornando à internet leva um bom tempo (talvez hora e meia) conectando “seus amigos em comum e comunidades”.
E não sei se é por causa das matérias sobre correspondências, ou se é pelo  Outono (tida como estação melancólica) sou invadida pelos meus “ismos”: saudosismo e romantismo (e olha que já nutro até certa simpatia e amizade pelo meu computador).
Mas... lembro-me do hábito salutar de escrever e responder cartas. A ida aos Correios. Selo. Cola. E depois... A espera do carteiro. O abrir apressado do envelope e o reconhecimento da autoria através da letra desenhada.
Recordo-me do relato dos mais saudosistas sobre cartas em papel cor de rosa ou em folhas de seda. Muitas com leve fragrância de perfume, algumas com pétalas de rosa e até as que traziam marcas indeléveis de batom (vermelho carmim) impregnadas de paixão.  Todo um ritual de comunhão e sutileza.
Anoitece.
Pela fresta da porta a luz azulada da tela do computador reflete o rosto da menina.
Eu – a meu canto – encerro o domingo assistindo em DVD  “O Carteiro e o Poeta”.

sábado, 24 de março de 2012

Eu e elas


Walnize Carvalho
Lembro-me bem, com que carinho, falei sobre elas : “As meninas circulam meu dia- a - dia. Jogam-me na roda, no centro da roda, na berlinda. A romântica puxa-me pela saia, quer que abre gavetas, escreva emoção sentida em qualquer folha de papel.A vaidosa coloca-me frente ao espelho,quer me ver bem - olhos brilhantes - batom bem retocado nos lábios .A organizada olha o relógio, ajeita a roupa, combina cores de calçado e blusa ,vai à luta cumprir jornada e é a mesma que chega comigo ao lar e insiste em brincar de “casinha”.A desprendida (cabelos ao vento) corre lépida para ver o mar, o luar,ou alguém para falar...agitada deixa-me quase sem ar! Mas, há a menina assustada, que vez por outra vem visitar-me na calada da noite...se achega de mansinho, pede-me colo e uma historinha que a faça dormir...E assim, brincando com elas de “bem-me-quer e mal-me-quer” encontro no dia-a-dia minha essência de Mulher!...”
E, de repente, dia desses percebo o desassossego .A um canto as cinco meninas cochichavam dando-me a nítida impressão que falavam a meu respeito.
Aproximaram-se de mim e novamente colocaram-me na berlinda.A desprendida tomando as dores das outras,iniciou as reivindicações: -Não somos mais crianças! Queremos liberdade!Eu, por exemplo, estou entediada! Você - apontou-me- só quer saber de viagens virtuais! De vez em quando,vamos a um cineminha com a condição de que eu fique com modos de menina comportada. Não me leva para ver o mar, o luar ...
Foi a deixa para que a vaidosa entrasse em campo:-Para onde foram nossas idas constantes ao salão de beleza, às compras nos shoppings?
Bastou para que a organizada se manifestasse : -Aposentou se do trabalho e da vida social também? Até as nossas brincadeiras de “casinha” se tornaram enfadonhas de tão rotineiras!
A assustada começou a cantarolar: “Eu perdi o medo/o medo da chuva!...” E acrescentou,com ares de superioridade: -Nada como um bom livro de cabeceira para me levar ao sono!
Sem ação e sem resposta fiquei por ali, pensativa, durante alguns minutos.
Levantei-me da cadeira e me preparava para uma ducha fria, quando alguém enlaçando-me pelo pescoço sussurrou aos meus ouvidos: - Quero que fique tudo como está! Serei sempre sua companheira!

quarta-feira, 14 de março de 2012

Da delícia de ser... poeta



(pelo Dia Nacional da Poesia)

Walnize Carvalho


Poeta tem idade?
tem cor?
tem sexo?
Poeta não “precisa ficar bem na foto”
Poeta é porta-voz da dor do mundo
e da alegria das “gentes” ...
Poeta é atemporal.
Não precisa de solidão
para ser sozinho ...
Poeta não tem país, fronteira e nem divisa.
Poeta é como abelha,
traz consigo
o favo de Criar ...
Poeta escreve
para livrar-se do que sente.
Poeta não erra,
falha.
Poeta não mente,
inventa o inexistente ...
Poeta é
acima de tudo,
um LOUCO FELIZ.

sábado, 10 de março de 2012

Oscar de melhor curta de animação é uma homenagem à leitura

O filme The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore ganhou o Oscar de melhor curta de animação na premiação que aconteceu no último dia 26 de fevereiro. O filme é uma homenagem ao mundo da leitura, singelo e emocionante.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Ah! Nós, mulheres!...


Walnize Carvalho

Hoje é o nosso dia.
— HOJE É O NOSSO DIA! — bradam umas com visível entusiasmo.
— Hã?... Hoje é o nosso dia? Que dia? — balbuciam outras com natural desânimo.
E assim, eufóricas ou melancólicas vamos vivendo nossa condição feminina.
De tão observadas merecemos rótulos: vitoriosas, guerreiras, apáticas, pragmáticas, divertidas, mal-humoradas, antenadas, autocentradas, extrovertidas, introspectivas, peruas, simplesinhas, princesas, bruxinhas, temperamentais, “as que amam demais”... e sofrem.
Sofremos de TPM (que também pode ser traduzido por as que resolvem Todo Problema do Mundo).
Vivemos intensamente 25 horas por dia: correndo, ao volante, frente ao computador, falando ao celular... Em casa, na rua, no trabalho, nosso radar está sempre ligado.
Travamos lutas diariamente com dois inimigos mortais: o espelho e a balança.
Somos chiques. Damos choques e chiliques.
Nossos sonhos de consumo vão desde ver “o filho encaminhado na vida” ao saber caminhar elegantemente num salto sete e meio ao estilo Gisele Bündchen.
Furiosas, descemos do salto, subimos nas tamancas.
Serenas, levitamos qual borboletas em torno da flor.
Radicais. Ora estamos para brilhar, ora para dar brilho, pois com a mesma elegância manuseamos canetas, pincéis e vassouras.
Poderosas, nos transformamos em Mulher Gato.
Ensimesmadas, aquietamos num canto tal qual Gata Borralheira.
Donas do próprio nariz, às vezes, quebramos a cara com atitudes unilaterais.
Habitam em nosso ser múltiplas meninas: a romântica, a vaidosa, a organizada, a desprendida, a assustada que de mãos dadas nos transformam na mulher que somos.
E somos movidas a projetos que vão desde o mais sério ao mais fugaz: morar num triplex, possuir uma Hillux, aplicar botox... Mas o xis da questão é quando projetamos nossa felicidade no outro e o usamos como muleta emocional...
Rimos. Choramos.
Trocamos a cor dos cabelos, o estilo do penteado mas, dificilmente, de opinião.
E assim em pinceladas de autoretrato homenageio a nós – mulheres – neste dia em que somos lembradas e reverenciadas.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Ressaca e despedida


crônica e foto:Walnize Carvalho

Hic! Um soluço interminável, um peso enorme na cabeça (como se pousasse sobre ela um elefante), um gosto amargo na boca – gosto de cabo de guarda-chuva, dizem alguns -, náusea, mal estar, “estômago embrulhado” e o olhar distante fixado em lugar algum.
Sabem de quem estou falando? Da famosa ressaca que,principalmente, nos últimos dias (dias que sucedem ao carnaval) amuitos abate.
Estranhamente reconheço, que tenho quase todos os sintomascitados, embora não ingira bebida alcoólica, nem tão pouco tenha participado da festa.
Sou tomada de uma leve prostração, de desalento, de incômodo.
Movida de certa nostalgia percebo, que também estou de ressaca, mas de uma ressaca atípica: a ressaca da despedida. É hora de retornar da temporada de veraneio.
É tempo abrir o armário, pendurar a fantasia e buscar vestimentas adornadas de bom senso, otimismo, sobriedade e esperança...
É tempo de apagar luzes, fechar janelas, recolher redes nas varandas...
É tempo de arquivar na memória: shows, trios elétricos,churrasqueiras nos quintais, mergulhos no mar, picolés, sorvetes, águade coco, refrigerantes e cervejinhas...
É tempo de se despedir do colorido das barracas a beira mar;dos quioques apinhados de gente colorida; dos encontros vesperais em casa de parentes, dos bate papos com amigos no calçadão ( enquanto a neta brincava descontraída nos brinquedos da pracinha), das idas à Feira da Roça e à Peixaria...
É tempo de passar olhos de adeus sobre a Natureza: sobre o canto dos bem te vis; o farfalhar das folhas das amendoeiras, que correm livres pelas calçadas; o baque no chão, das frutas caídas das referidas árvores; os beija flores sugando papoulas multicoloridas; o gato que se espreguiça no muro do vizinho; a altivez da garça no brejo; da inocência do menino e sua pipa...
E mais... é tempo de caminhar por entre as casuarinas, assistir a dança sincronizada de seus galhos; de ver barcos emborcados sobre a areia e de ir à beira mar e diante do majestoso oceano, agradecer os dias felizes...
É tempo - mais do que tempo - de esperar a noitinha chegar,observar (mais uma vez) a primeira estrela que pintar no céu ( na companhia da lua crescente) e em atitude de contrição e respeito desejar estar de volta no futuro Verão.
No mais, é constatar que a “ressaca”, que quase me levou de roldão,já se diluiu por si mesma permitindo,que eu possa dar início-finalmente- à caminhada do ano novo que me espera.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Liberdade maior


Walnize Carvalho

Queria ser livre
Correr mundos
Viver!...
Até que um dia
(que dia!)
Uma ventania de fim de tarde
Satisfez
O seu desejo.
Que felicidade!
Nos braços do vento
Foi em busca
Da vida sonhada
Da viva
Somente vivida
Pelos passarinhos
Que vinham pousar na árvore em que morava.

E
Lá se foi ela.
Feliz
Correu quintais
Atravessou muros
Percorreu quintais...

Até que...
Um vento maroto
A fez cair
No rio que cortava a cidade.
Levada pelas águas
Se foi para
um mundo
liberto
um mundo
distante
pra não mais voltar..

-Esta é a história de uma folhinha que um dia se foi da árvore do meu quintal.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Encontro inadiável

Walnize Carvalho

- Desta tarde não passa! balbuciou, enquanto se olhava ao espelho.E acrescentou: - Não dá mais para adiar o tão sonhado encontro. ..
Afinal – pensou - nasceram juntas, foram criadas juntas. E, de há muito não se encontravam. Não por falta de querer, de necessitar até.
Mas... com verão, as férias e a presença festiva das netas, resolveu deixar seu projeto para momento oportuno. Sem abatimento e até imbuída de saudade e prazer, acompanhou os momentos de muito agito e poucas horas de descanso vivenciados pelas meninas. E foram dias de banhos de mar em demasia; de comida fria sobre o fogão; de sonoras gargalhadas na varanda; de passeios vesperais no calçadão; de troca troca de roupa, de sussurros e confidências com as amigas. Para elas, as palavras de ordem eram: animação, descontração e ... confusão. As disputas ocorriam a cada minuto: na rede, no lugar à mesa, na fila do chuveiro, em frente ao espelho e no colo da avó.
Gastaram energia, contabilizaram momentos felizes e solidificaram amizades.
À ela– a matriarca da família – coube a função de “ botar ordem no vespeiro”,que iam desde preparar lanches, recolher toalhas molhadas sobre as camas, arrumar revistas espalhadas e atender às coleguinhas no portão...
E, agora, com o fim das férias escolares era a hora da despedida.
As netas se foram.
E naquela tarde, enquanto se olhava no espelho, sentiu que era chegado o momento do sonhado encontro. Já não era sem tempo. Tempo de matar saudades, escutar, dialogar, chorar dores acumuladas, dividir vitórias alcançadas, falar de planos futuros, relembrar o passado, pôr em dia o presente, reavaliar decisões tomadas, filosofar, rir de frivolidades, comentar assuntos triviais: moda, a nova novela das oito, o novo corte de cabelo, a dieta sempre adiada.
Fazer um pouco de análise sobre a crise mundial, futebol, Big Brother... sei lá!
Gastar alguns minutos, quem sabe, horas botando o papo em dia...
E foi neste ímpeto de desejo inadiável que ela decidiu ir ao encontro dela. Saiu-se de frente do espelho.
Tomou uma ducha de água fria, ajeitou os cabelos molhados e os amarrou com um laço de fita.
Arrumou-se de forma despojada (afinal, a estação verão é um convite à descontração): vestido leve e colorido sobre a pele e sandália rasteira nos pés.
Abriu a porta de casa e partiu..
O sol já se punha quando caminhou em direção ao mar.
Sentou-se à sua frente olhando distraída a linha do horizonte.
O olhar fixo fez com que cerrassem as pálpebras.
Deixou-se levar pelo cansaço e estirou o corpo sobre a areia úmida em total entrega, ficando neste estado de letargia por algumas horas.
Foi despertada pelo ruído de um helicóptero que cruzava o céu em direção a alguma plataforma da Petrobras.
Pegou “carona” no voo e, afinal, foi ao tão sonhado encontro consigo mesma.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Luminosa manhã



Walnize Carvalho

Naquela manhã, levantei-me cedo.
Ao invés de ficar sob os lençóis desfrutando de mais uma hora de sono - repito – levantei-me cedo.
Em mente, planos de ocupar o dia faxinando armários, arrumando gavetas, arquivando papéis.
O primeiro gesto matinal foi abrir janelas e portas para bendizer a luminosa manhã.
Lentamente, dirigi-me à cozinha a fim de preparar o café matinal.
Uma brisa suave corria pelos cômodos da casa. O sol, que já estava lá fora dando plantão, veio espalhar seu sorriso por entre as venezianas.
No rádio, em baixo volume, Chico Buarque derramava estes versos: ”Todo dia ela faz tudo sempre igual”. Por um instante peguei - os emprestado para mim e, com um sorriso irônico nos lábios,balbuciei: -Tudo sempre igual! - pensando na rotina das tarefas domésticas.
Imediatamente, me penitenciei do meu resmungo e passei a pensar em outros atos rotineiros: o da vizinha solitária que conversa com suas plantas; o do presidiário; o do enfermo na cama de um hospital ; o do trabalhador ao sol ...
Desliguei o rádio e antes mesmo de dar início aos afazeres que eu me propus executar, fui à janela. Debrucei-me no parapeito, distraída.
Absorvida em meus pensamentos fui despertada pelo canto insistente de um pássaro: - Bem-te-vi! - Bem-te-vi!!! Não reconhecendo, de imediato, de onde vinha tal “chamamento” caminhei ao encontro da ave madrugadora. Ave (diga-se de passagem) de rara beleza, que se caracteriza pela coloração amarela viva no ventre e uma listra branca no alto da cabeça, cujo canto já é o seu próprio nome. Li até certa vez ,que é um dos pássaros mais populares do Brasil, e um dos primeiros a vocalizarem ao amanhecer.
Segui à sua procura. Dirigi-me à porta da cozinha olhando em todas as direções: para o céu, para o muro alto que divide minha casa com a do vizinho, para as frestas do telhado, para os galhos da árvore no fundo do quintal e ... nada de encontrar o “visitante matinal”. E ele, como a brincar de pique-esconde, repetia: - Bem-te-vi! - Bem-te-vi!!! Até que retornando à janela, o avistei no poste da calçada do outro lado da rua.
Balancei a cabeça com sorriso novo nos lábios. A placidez veio me fazer companhia fazendo com que eu alçasse vôo em minhas reflexões: O pássaro chegou. Quebrou o ambiente silencioso com seu vigoroso canto. Como o esplendoroso sol. Como um amigo, que aparece de surpresa e ilumina nossa manhã.