sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Travessura de mãe


Walnize Carvalho

A mulher percebeu do seu quarto que do cômodo ao lado vinha uma claridade. Caminhou até a sala.
Olhou com olhos preguiçosos de abrir, o relógio na parede: duas horas.
Atravessou o corredor.
A luminosidade que filtrava em toda casa vinha do quarto dos filhos.
Espiou, discretamente, pela abertura da porta.
Estavam dormindo. Janela aberta. O frescor da madrugada sobre suas faces.
Eles ali dormindo, displicentemente.
Ela os olhou com ternura.
Apagou a luz do abajur. Desligou o som.
De volta à sala procurou na estante o livro “Tantas Vozes” de Ferreira Gullar . Encontrou o poema “Filhos”.(*)
Enxugou a lágrima teimosa e, numa atitude pueril, buscou no fundo da gaveta do armário da cozinha uma lanterna.
Sorrateiramente entrou no quarto. Munida de luz e caneta “pilot” transcreveu os versos na porta clara.
Escreveu. Riu. Segurou a emoção para não escapar nem um ruído que fizesse os meninos acordarem .
Acabando o poema, suspirou pensando : como é bom se criança. Ser mãe. Ter os filhos que eu tenho!
Perdão filhos! Por ter brigado tantas vezes pelas garatujas que fizeram em criança!
Filhos
Ferreira Gullar

“ Daqui escutei
quando eles
chegaram rindo
e correndo
entraram
na sala
e logo
invadiram também
o escritório
(onde eu trabalhava)
num alvoroço
e rindo e correndo
se foram
com sua alegria
se foram
Só então
me perguntei
por que
não lhes dera
maior
atenção
se há tantos
e tantos
anos
não os via crianças
já que
agora
estão os três
com mais
de trinta anos.”

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