sexta-feira, 28 de maio de 2010

Texto de outros tempos

Quando eu estava no fim da adolescência, no início da faculdade, os textos do Artur da Távola me acompanhavam por toda parte (eu era daquelas que estava sempre com um livro dentro da bolsa ou embaixo do braço).
Eu tinha uma memória de elefante, e como sempre adorei reler os textos que me agradam chegava a saber muitos de cor. O tempo passou e minha memória já não é das melhores, mas sempre fui boa em reconhecer estilos de escrita e saber se um texto foi modificado,com excertos que não são originais.
Hoje fiquei com saudade de um texto muito conhecido do autor "Ser jovem",como meus livros foram TODOS perdidos ou emprestei e não devolveram fui recorrer ao Google. Os primeiros sites traziam o texto,mas eu li identifiquei pedaços fora de ordem ou trechos que pareciam ter sido escritos por outra pessoa. Minha memória afinal não está assim tão ruim e ainda sou capaz de reconhecer que ali não estava a escrita do cronista que tanto gostava.
Enfim encontrei o texto na íntegra.Ali do jeitinho que eu lembrava,me trouxe emoções da época, de um tempo em que a escrita e a leitura andavam juntinhas e jorravam com tanta facilidade e entusiasmo,



“ SER JOVEM”
(Arthur da Távola)

“ Ser jovem é não perder o encanto e o susto de qualquer espera. É, sobretudo, não ficar fixado nos padrões da própria formação.
Ser jovem é ter abertura para o novo na mesma medida do respeito ao imutável. É acreditar um pouco na imortalidade da vida, é querer a festa, o jogo, a brincadeira, a lua, o impossível, o distante. Ser jovem é ser bêbado de infinitos que terminam logo ali. É só pensar na morte de vez em quando. É não saber de nada e poder tudo.
Ser jovem é ainda acordar, pelo menos de vez em quando, assobiando uma canção, antes mesmo de escovar os dentes. Ser jovem é não dar bola para o síndico mas reconhecer que ele está na sua. É achar graça do riso, ter pena dos tristes e ficar ao lado das crianças.
Ser jovem é estar sempre aprendendo inglês, é gostar de cor, xarope, gengibre e pastel de padaria. Ser jovem é não ter azia , é gostar de dormir e crer na mudança; é meter o dedo no bolo e lamber o glacê. É cantar fora do tom, mastigar depressa e engolir devagar a fala do avô. É gostar da barca da Cantareira, carro velho e roupa sem amargura. É bater papo com a baiana, curtir o ônibus e detestar meia marrom.
Ser jovem é beber curvas, ter estranhas, súbitas e inexplicáveis atrações. É temer o testemunho, detestar os solenes, duvidar das palavras. Ser jovem é não acreditar no que está pensando exceto se o pensamento permanecer depois. É saber sorrir e alimentar secreta simpatia pelos crentes que cantam na praça em semicírculo, Bíblia na mão, sonho no coração. É gostar de ler e tentar silêncios quase impossíveis. É acreditar no dia novo como obra de Deus. É ser metafísica sem ter metafísica. É curtir trem, alface fresquinha, cheiro de hortelã. É gostar até de talco.
Ser jovem é ter ódio de cachimbo, de bala jujuba, de manipulação, de ser usado. Ser jovem é ser capaz de compreender a tia, de entender o reclamo da empregada e apoiar seu atraso. Ser jovem é continuar gostando de deitar na grama. É gostar de beijo, de pele, de olho. Ser jovem é não perder o hábito de se encabular. É ir para ser apresentado ( já conhece fulano) morrendo de medo. Ser jovem é permanecer descobrindo. É querer ir a lua ou conhecer as Finlândias, Escócias e praias adivinhadas. É sentir cheiro de férias, cheiro de mãe chegando em casa em dia de chuva, cheiro de festa, aipim, camisa novaou toalha lá do clube.
Ser jovem é andar confiante como quem salta, se possível, de mãos dadas com o ar. É ter coragem de nascer a cada dia e embrulhar as fossas no celofane do não faz mal. É acreditar em frases, pessoas, mitos, forças, sons, é crer no que não vale a pena mas ai da vida se não fosse isso. É descobrir um belo que não conta. É recear as revelações e ir para casa com gosto do seu silêncio amargo ou agridoce. Ser jovem é ter a capacidade do perdão e andar com os olhos cheios de capim cheiroso. É ter tédios passageiros, é amar a vida, é ter uma palavra de compreensão. Ser jovem é lembrar pouco da infância por não precisar fazê-lo para suportar a vida. Ser jovem é ser capaz de anestesias salvadoras. Ser jovem é misturar tudo isso com a idade que se tenha , trinta, quarenta, cinqüenta, sessenta, setenta ou dezenove. É sempre abrir a porta com emoção. É esperar dos outros o que ainda não desistiu de querer. Ser jovem é viver em estado de fundo musical, de superprodução da Metro. É abraçar esquinas, mundos, espaços, luzes, flores, livros, discos, cachorros e a menininha com um profundo, aberto e incomensurável abraço feito de festa, cocada preta, dentes brancos e dedos tímidos, todos prontos para os desencontros da vida. Com uma profunda e permanente vontade de SER.

2 comentários:

walnize carvalho disse...

Aninha,
Você reportando a adolescência e eu no poema abaixo,a infância.Resumo:tempos felizes dignos de serem revividos!
Bjs,
Walnize

Ana Paula Motta disse...

Bjs, Wal. Tempo felizes sim,mas a adolescência como a de toda gente, foi tumultuada, Já a maturidade tb tem seus encantos. Já minha infância foi maravilhosa.